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A FILOSOFIA POÉTICA DE ANTÓNIO TELMO
António Cândido Franco
4.

Filosofia e Kabballah é a aspiração da filosofia à vida sensível das formas dramáticas. Nesse livro, e depois noutros dois, O Bateleur (1992) e Contos (1999), Telmo procurou directamente os modos de expressão poética, e em particular, entre eles, o narrrativo. É a reafirmação da arte poética, agora da através da composição, não da explicação. O conto é, para o autor de “A Damas de Oiros”, o género vivo, capaz de falar da origem e dizer o mistério. A tradição órfica preferida por este autor foi a da fábula oral e popular. Com a narrativa, com o acto de contar, Telmo encontrou o veículo poético que até aí lhe faltara, dramatizando o conhecimento e sensibilizando a inteligência; através do conto, ele procurou ligar o conhecimento superior, a verdade do mundo invisível, aos sentidos, sensibilizando a transcendência imaterial em formas intermédias eficazes. Assumindo a dramatização concreta dos problemas da filosofia, Telmo talvez nos tenha querido alertar para algo mais importante que a inteligência, a inteligência abstracta da ciência e da filosofia especulativa.

Se para ele, há, na linha de Leonardo Coimbra, uma verdade acima dos sentidos mais imediatos, que justifica o pensamento, também para ele há algo de mais operativo que a inteligência abstracta, o que, por sua vez, garante o interesse da efabulação poética.

A poesia, com as suas formas e géneros, o seu aspecto sensível e dramático, a máscara e a expressão, é, pela dimensão material da sua carne, o lado de fora da inteligência, mas é também, pela operatividade das suas criações superiores, o próprio universal dessa inteligência.

Isso não implica, todavia, o sacrifício absoluto da ordem humana do entendimento, e em primeiro lugar da organização linguística tal como ela se perpetua, na comunicação, para ser entendida. Daí o conto ser a dicção órfica de quem acabando de regressar do coração inominável do mistério já lá não está. Forma bifronte, análoga ao mito, o conto diz aquilo que não pode ser dito, fala do céu divino na terra dos homens, vê o invisível na teia do opaco, narra a substância do sonho e ensina a realidade do mal, está do lado de fora da inteligência e é, ao mesmo tempo, o seu universal.

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Discursos e Práticas Alquímicas. Volume II (2002) - Org. de José Manuel Anes, Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço. Hugin Editores, Lisboa, 330 pp. Online no TriploV.