VIAGENS NA CIMBEBÁSIA / O RIO CUNENE
PADRE CHARLES DUPARQUET
28-07-2003 www.triplov.com
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Indígena cristão

Segunda-feira, 26 de Julho - O snr. Dufour parte para ir visitar os Boers, mas encontrou-os no caminho, quando se dirigiam já para Quilavi e regressa com eles. Matou-se um javali e uma grande variedade de aves aquáticas. Visito as margens do rio: as suas águas são extremamente límpidas e correm lentamente sobre um leito arenoso. A margem esquerda é toda limitada por cliffs. O rio ora banha o sopé destes rochedos ora deixa, entre o seu leito e as colinas, uma pradaria mais ou menos extensa. Na estação das chuvas esta é inteiramente inundada pelo rio, que chega a ter meia légua de largura. Depois da retirada das águas, as planuras são atravessadas por derivações laterais do Cunene, onde os indígenas recolhem uma quantidade considerável de peixes, sobretudo de silúrios.

Estes canais são sombreados por belas eugenia, cujas raízes emergem da água. Em certos sítios formam lagoas, com as margens guarnecidas por grandes canaviais, que servem de abrigo aos hipopótamos.

Uma imensidade de plantas aquáticas guarnece estas planuras e o solo está juncado de conchas de caracois e de bivalvas. Por toda a parte há numerosos crocodilos, mas parecem não se afastar muito do rio.

No platô que coroa os cliffs há árvores soberbas, entre as quais dominam o imbondeiro, o sterculia, a árvore da cerveja. Este plató não é mais que a continuação das terras do Ovampo. Desta maneira, o rio parecer-nos-ia mais baixo que o Ovampo, e não compreenderiamos como pode inundar todo o país, porque, evidentemente, não pode nunca, mesmo nas maiores cheias, elevar-se até à altura dos cliffs. Mas esta linha de cliffs tem interrupções e estes rasgões dão origem às omarambas que banham o Ovampo. O Ovampo é pois, realmente, mais baixo que o rio. O snr. Dufour achou 3.752 pés de altitude no Humbe; 3.750 na Ombandja ; e 3.500 na Ondonga. Existe por conseguinte uma inclinação de, pelo menos, 250 pés entre o rio e a Ondonga. Este declive continua até ao Lago Etocha, que ocupa a maior depressão de toda a região. Para além dele, no sentido do sul, começam as montanhas da Dâmara com uma elevação de 4.000 pés aproximadamente.

À noite o rei Chahongo envia ao snr. Erickson um belo boi de presente, com uma mensagem das mais lagradáveis: se quisermos caçar, está pronto a indicar-nos os sítios mais favoráveis e, se quisermos ir a Moçâmedes, dar-nos-á guias e uma escolta até Ongambué (Gambos). Decidimos que no dia seguinte doze brancos fossem a cavalo à sua residência para o visitar.

Terça-feira, 27 de Julho - Esta manhã partimos, pois, a cavalo em número de doze, para a residência de Chahongo. Como não sou bom cavaleiro, deram-me uma montada muito mansa e dois criados para me acompanharem. Um deles, Chapopi, que deve servir de intérprete, galopa ao meu lado; o outro, a pé, conduz à rédea o meu corcel nos sítios mais difíceis. Dirigimo-nos primeiro ao vau para passar o rio, mas, como a água nos dava por cima da cabeça, foi preciso atravessá-lo a nado, montados nos cavalos. Os meus companheiros, por esse motivo, despem parte da roupa, tiram os selins aos cavalos e lançam-se ao rio, que transpõem sem dificuldade. Quanto a mim, efectuo a travessia mais prosaicamente numa boa piroga, com os selins e os fatos. De novo nos pomos em marcha, com os caçadores a cavalo à frente, em duas linhas, as armas carregadas apoiadas no braço, com uma aparência um tanto ou quanto militar, mas as populações fazem-nos bom acolhimento e não se mostram assustadas. Ao fim de meia hora chegamos à residência do rei. Chahongo está sentado debaixo duma grande árvore, cercado por uma imensa multidão ajoelhada. De longe só se vêem cabeças. Só o rei é que está vestido, ostentando uma espécie de coroa; uma pequena saia de algodão com uma jaqueta de fazenda completam o seu vestuário. Só ele se acha sen tado num tamborete artísticamente esculpido e, perto dele, mantêm-se de pé quatro Portugueses.

Chegámos a uma centena de metros de Sua Magestade, apeámo-nos dos cavalos e quatro de nós foram designados para tomarem parte na entrevista : os snrs. Erickson, Jordan, Dufour e eu. Eu envergava o meu hábito de religioso; esta novidade excitava, evidentemente, a curiosidade dos indígenas.

O rei levantou-se à nossa aproximação e saudou-nos com agrado. O snr. Erickson explicou-lhe imediatamente o fim da nossa viagem à sua tribo. Desejava caçar e entrar em relações comerciais com ele. Chahongo respondeu que percebia muito bem a importância que tinha para ele favorecer o comércio. Compreendia perfeitamente que as relações com os Ingleses tinham tornado os outros potentados do Ovampo mais poderosos do que ele. Desejava por isso entrar em negociações com eles e vê-los a negociar na tribo.

Depois desta resposta, o snr. Erickson ofereceu-lhe uma bela espingarda, a que eu juntei, por minha vez, um módico presente, com que ele pareceu ficar satisfeito. Em seguida retirámo-nos. Tinham sido preparadas em nossa honra grandes panelas de cerveja, a que fizemos as devidas honras. Foram-nos oferecidos igualmente numerosos cestos de feijão. A cerveja e o feijão são os presentes usados no Ovampo e são sempre recebidos com prazer pelos Europeus. São, é certo, pequenos presentes, mas é a única coisa que estes pobres indígenas podem oferecer e são sempre dados de boa vontade, motivo por que devemos perdoar-lhes não darem coisa melhor .

Aproximei-me dos quatro Portugueses e entabolámos conversação. Desculparam-se de não nos terem ido visitar, mas o rei não lho consentiria e havia-se recusado a entregar-lhes a carta que lhes fora dirigida. Convidámo-los a acompanhar-nos ao acampamento: imediatamente montaram nos seus bois, atravessaram o rio e vieram passar conosco a tarde e a noite.

Estes bons Portugueses compreendem mal a natureza e o fim da nossa expedição. Ora nos confundem com os Boers ora pensam que se trata duma expedição inglesa que vem conquistar o país. Por outro lado, os seus conhecimentos geográficos parecem muito incompletos, o que aumenta a confusão das suas ideias. Imaginam que a Colónia portuguesa se estende até à cidade do Cabo, que, dizem eles, foi dada pelo rei D. João VI de presente aos Ingleses. Tive dificuldade em os esclarecer sobre este ponto, sem contudo conseguir sossegá-los plenamente sobre os acontecimentos.
Quarta-feira, 28 de Julho - Os nossos Portugueses regressaram de manhã às suas casas, mas não sem certas apreensões. Receiam que os indígenas tenham cometido alguns desacatos na sua ausência e os acusem de terem atraído à região tantos estrangeiros perigosos.

Nós pomo-nos também a caminho para tomar a subir o rio e mudar o nosso acampamento para junto do dos Portugueses.

Viajamos cerca de cinco horas, ora pela crista dos cliffs ora pelas planuras que bordejam o rio. Por toda a parte, na floresta, é preciso abrir caminho a machado.

Pela noite, paramos num vau muito próximo do palácio real, onde vem terminar um caminho da Ombandja.

Quinta-feira, 29 de Julho -Tornamos a partir, muito cedo e subimos de novo ao platô. As orlas do vale apresentam paisagens encantadoras. Por vezes as rochas do cliff formam anfiteatros cobertos de árvores e descem suavemente para o rio. O platô parece salubre e livre de miasmas. Finalmente, ao começo da tarde, paramos numa localidade chamada Ololica, onde existe um excelente vau, pouco afastado das habitações dos Portugueses. Este sítio deve ser o termo da minha viagem. Daqui, uma parte da expedição dirigir-se-á a Moçâmedes, enquanto a outra continuará a caçada. Ololica fica um pouco a noroeste de Iquera, a cerca de quatorze milhas de Quilevi e a trinta milhas de Omuparara. Estamos a aproximadamente quatrocentas milhas de Omaruru.