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JOSÉ CASQUILHO...
De como um não é 1 e gera caos semântico e caso constitucional
Artigo 66.º
(Ambiente e qualidade de vida)
1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano,
sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

A história que vos conto felizmente aconteceu a poucos.  Mas continua aí como facto e como aviso. Trata-se de direitos sonegados à conta de uma douta confusão semântica, como se poderá ver, e que entronca em direitos (e deveres) constitucionais.

Em Maio de 2005, no início da governação de José Sócrates, é-me comunicado que tinha cessado funções no instituto onde era docente desde 1986.  Depois de 20 anos de serviço ao Estado, um professor universitário fica sem o lugar e nem tem subsídio de desemprego. O processo prende-se com a não concessão da nomeação definitiva - apesar dos vícios substanciais e formais que ocorreram no caso. Ora, ao não me ser concedida a nomeação definitiva, o Conselho Directivo usou a interpretação de um Parecer onde se concluía que não havia segunda nomeação provisória - ou seja: a renovação do contrato – sendo que o contrato original já tinha terminado há mais de um ano, sem que tivesse sido denunciado no prazo.

Ao fazê-lo o CD utilizou a interpretação oficial da tutela, pois que o referido parecer tinha sido homologado no tempo dum governo socialista, no ano 2000.

Trata-se da interpretação do artº 25 nº1 do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), onde se diz que: «Os professores auxiliares são providos provisoriamente por contrato de duração igual a um quinquénio.»

E daí inferiu-se que só existe um contrato e mais nenhum. E assim se confundiu “um quinquénio” com “um contrato”, e ainda se tresleu o artigo indefinido “um” como sendo o número cardinal 1. Ora, tal douta confusão estava atempadamente resolvida por um Acordão do Supremo Tribunal Administrativo de 1992, onde se concluía, utilizando as disposições gerais aplicáveis, que naquele articulado nada obstava a que se considere que um contrato de professor auxiliar possa ser automaticamente renovado.

Este parecer homologado em 2000 era assim uma arma à disposição das escolas para ser usada por razões políticas, por exemplo - porventura se esse alguém escrevia sobre assuntos quentes. É portanto aos governos do partido Socialista que também tenho de pedir explicações. É que a asfixia financeira em que o ministro e os sucessivos governos teimam em querer pôr as instituições universitárias, e do ensino superior, desde há vários anos, tem efeitos perversos deste calibre, que engendram caos semântico, e talvez quântico, nos laços fiduciários que suportam o Estado de Direito. No final, esta história tem uma leitura simples: quem ousou ajudar a cumprir o dever expresso no artº 66º da Constituição é despedido inconstitucionalmente pelo Estado. Triste país.