O CARBONARISMO

ITALIANO (1)

 
OS PRESSUPOSTOS
(Do prefácio do volume: M.Saint-Edme, "Constituição e Organização dos Carbonários, ou Documentos exatos sobre tudo o que concerne à existência, à origem e os objetivos destas Sociedades Secretas", 1821. Reimpresso em fax-simile por Les Èditions du Prieuré 1997)
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Pareceu-nos impossível apresentar o carbonarismo sem ter preliminarmente evocado as suas origens e os movimentos que lhe permitiram fazer nascer este ramo assim específico e politizado das tradições florestais do Ocidente. Por ora, arriscando modificar alguma idéia pré-concebida dos nossos amigos italianos, é necessário dizer que o Carbonarismo é originário dos ritos florestais franceses da segunda metade do século XVIII. Não estamos falando aqui do conteúdo do engajamento político - se bem que...- mas da estrutura ritual desta sociedade secreta.

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O Carbonarismo se forma sob o influxo de diversas filosofias "engajadas" do final do século XVIII, e a Maçonaria de Besançon e do Franco Condado no período pré-revolucionário dos anos 1780 foi um dos centros mais ativos desta "preparação". Numerosos foram os Maçons desta região que encarnaram uma maçonaria progressista impregnada de valores do século das Luzes. Relativamente desiludidos do pouco discernimento e empenho das Lojas, eles criaram muitas vezes, durante essa década, grupos anexos e secretíssimos deputados para colocarem em prática, de uma maneira mais operativa, aqueles valores progressistas.

Essas "Lojas" politizadas ganharam diversos nomes: O Palladio, os Adelfes, os Filadelfes ou também ainda a Sociedade da Regeneração Européia.

Joseph Briot, o general Oudet (Philopoemen), o general Moreau (Fabius), dos quais falaremos ulteriormente, serão membros ativos desses grupos muito ocultos que assumiram como linha política um republicanismo revolucionário contrário a todos os imperialismos franceses de direito divino, mas também aos seus alter-ego europeus. No plano tradicional, estão largamente impregnados pelas diversas formas de iluminismo, à maneira daquelas de Avignon ou da Baviera.

Numerosos foram os seus membros que tomaram parte ativa na Revolução Francesa.

Quando Bonaparte deu o seu golpe de estado do 18 Brumario, esses grupos centraram na oposição republicana, sem todavia cessar de fazer parte da administração do Estado Francês, na época em plena expansão. Os exércitos de Bonaparte já estavam avançando sobre a Itália, fundando sucessivamente repúblicas independentes, mas sujeitas aos interesses da França (1797, República Cisalpina; 1798, Republica Romana; 1799, e bases republicanas em Nápoles). Nas ordens administrativas e militares - subproduto destas vitórias - , se veicularam ao mesmo tempo sejam as teses favoráveis a Bonaparte, sejam aquelas de oposição a ele, republicana e liberal.

A difusão do projeto carbonário se dará tanto no seio da pletora dos funcionários civis, e se desenvolverá de maneira fulminante em todos os ambientes nacionalistas italianos, para os quais a opção republicana fornecia a alternativa política ideal. Pode-se dizer portanto que, fora dos aspectos maçônicos do movimento, a sua difusão será amplamente facilitada pelo expansionismo militar francês, assim como de sua potente logística e administração. As três "repúblicas" italianas acima citadas foram por conseqüência focos de carbonários extremamente ativos. Se é evidente, a maçonaria do tipo Grande Oriente da França se difundiu também na Itália; é forçoso constatar que Napoleão a tinha fortemente vassalizada para fazê-la um veículo dos valores bonapartistas. È, portanto, lógico que a sua oposição política tenha escolhido um veículo análogo, mas diferente, para veicular os valores republicanos. É assim que os pacíficos "Bons Primos" do século XVIII francês viram a sua tradição rural transformar-se em um ativismo político pré-republicano no seio de uma "internacional revolucionária", usando ocultamente a logística do Império a fim de restabelecer os ideais da Revolução Francesa aparentemente traídos pelo Consulado e mais tarde pelo Império.

O previsível fim do dito Império, depois da catastrófica campanha da Rússia de 1812, a possível volta dos Bourbons aos tronos da França e de Nápoles, as pressões austríacas e a instauração da Santa Aliança (1815) foram certamente os dados políticos europeus que provocaram a internacionalização dos movimentos republicanos, entre os quais os Carbonários.

Torna-se aqui necessário citar outro movimento maçônico que foi o rito de Misraïm, impregnado também esse do iluminismo e republicanismo, que apareceu em Veneza em 1788. Um relatório de polícia do oficial Simon Duplay de 1822 sobre as iniciativas políticas da Loja Misraïmiticas, citado por Pierre Mariel e Gérard Galtier, faz luz sobre esse ponto:

 

"Todos os papéis que formam os arquivos da associação foram seqüestrados nos últimos meses de 1822, tanto em Paris como nas Lojas estabelecidas nas Provincias [...]. Devem-se atribuir seus progressos à doutrina anti-monárquica e anti-religiosa que professa [...]. Subindo de grau em grau, o adepto aprende que o objetivo destes sectários é de estabelecer o ateísmo e uma república universal [...]. Das numerosas Lojas formadas na Província, não existe uma que não resultasse composta por homens mais ou menos conhecidos pela sua disposição hostil. Enfim, foram encontrados nos arquivos da Loja de Montpellier grande número de cadernos consagrados ao estudo da doutrina desta conspiração. Os apóstolos mais violentos do ateísmo e da demagogia não escreveram nada mais de audaz".

A fundação oficial deste Rito na França acontece em 19 de Maio de 1815 (queda do Império), quando foi criada em Paris a Loja Arc-en-Ciel, da qual faziam parte bonapartistas e membros da Carbonária, todos em desacordo com as orientações realistas da Maçonaria oficial. È necessário reconduzir-se na história dos irmãos Bédarride (grandes responsáveis pelo rito de Misraïm até a separação do rito de Memphis em 1838), e a excelente obra de Gérard Galtier, Maçonaria Egipcia, Rosa Cruz e Neo Cavalaria, para obter uma série de imagens da história desta sensibilidade maçônica, tão próxima ao Carbonarismo italiano que parece às vezes uma cobertura.

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>Pierre-Joseph Briot
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