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BOLETIM DO NCH
Nº 14, 2005

Discursos sobre memória e identidade, a propósito do
V Centenário do Descobrimento dos Açores

Maria Isabel João

Sumário - Summary

Introdução

Conjuntura do Centenário Açoriano

Celebrações Oficiais

Discursos Identitários

Considerações Finais

Bibliografia

Celebrações Oficiais

Apesar disso, as autoridades não quiseram deixar de assinalar a efeméride. Com a modéstia imposta pelas limitações financeiras e sem o carácter festivo, as celebrações do centenário tiveram lugar em várias ilhas, na segunda quinzena de Agosto. O governo enviou o cruzador Vasco da Gama, comandado pelo capitão-de-mar-e-guerra António da Câmara Velho de Melo Cabral, de origem açoriana e ainda descendente de Gonçalo Velho, para o representar nos eventos.

As comemorações iniciaram-se em Santa Maria, a 15 de Agosto. Estenderam-se, em seguida, às três capitais de distrito do arquipélago e culminaram em Vila Franca do Campo com a inauguração de uma estátua dedicada ao Infante D. Henrique, do escultor Simões de Almeida. Foram pautadas pelas cerimónias solenes promovidas pelas autoridades locais. As tradicionais sessões solenes, a inauguração de padrões, uma lápide, uma exposição, cerimónias religiosas e algumas manifestações mais populares, como provas desportivas, iluminações e concertos de bandas de música, assinalaram o quinto centenário do descobrimento dos Açores. Em Vila Franca do Campo organizou-se um cortejo cívico e histórico, onde desfilaram as escolas do concelho, representantes das várias classes sócio-profissionais, das associações e das autoridades, os oficiais do cruzador Vasco da Gama e um batalhão de infantaria (Ibidem, 30.8.1932). No fim do desfile seguiam a comissão do centenário e as chefias da Câmara Municipal.

A nota regionalista esteve presente de várias formas no decurso das comemorações. Como se dizia em versos então divulgados:

Muito se vem falando em tais [festejos

que uns querem de carácter [nacional,

mostrando outros, porém, grandes [desejos

de lhes dar o cunho regional.

(O Telégrafo, 11.6.1932)

As autoridades locais não se coibiram de chamar a atenção do representante do governo para a necessidade de promover os necessários melhoramentos públicos e para as «justíssimas aspirações» dos açorianos que tinham visto reduzir-se a margem de autonomia efectiva das Juntas Gerais (Ibidem, 17.8.1932). O governador civil da Horta pediu, de forma directa, ao comandante António Cabral: «ide dizer-lhe, senhor, que encontraste nove ilhas que necessitam do amparo da Pátria, que algumas ainda estão como há 500 anos sem uma estrada, que as suas crianças não têm escolas onde melhor aprendam a amar o País [... ]» (Ibidem, 27.8.1932). Não se esquecendo de referir a necessidade de leis para a protecção da agricultura e de comunicações mais rápidas e eficientes, que tirassem as ilhas do isolamento.

A questão administrativa continuava presente e num artigo, publicado no número comemorativo feito pelo jornal O Século, encontrámos expressa a reivindicação do distrito de Ponta Delgada para que fosse aplicado o decreto de 31 de Julho de 1928 (O Século, 1932). Essa lei da responsabilidade de Salazar transferira para as Juntas Gerais diversos serviços, sem o aumento correspondente dos recursos. Na altura, suscitou reservas e críticas ( Enes, 1996a: 79), mas passados alguns anos já era considerada uma base para as reivindicações, visto que nem ela estava a ser aplicada no quadro da política fortemente centralizadora dos governos. Por isso, em jeito de conclusão, o jornalista afirmava que o momento em que se comemorava o quinto centenário do descobrimento seria o mais azado para o governo dar ao regime da autonomia administrativa os meios adequados para o progresso dos Açores. De forma explícita, pretendia-se que, pelo menos, a lei vigente fosse aplicada, com a transferência de verbas necessárias para viabilizar a acção das Juntas Gerais.

A par das comemorações açorianas, realizaram-se no continente várias cerimónias. O «Dia dos Corte Reais» foi assinalado no mês de Julho de 1932, por iniciativa da Sociedade de Geografia de Lisboa (Portugal, Madeira e Açores, 8.7.1932). O cônsul português em Providence foi um dos que acarinhou a ideia de chamar a atenção para as navegações dos Corte Reais. Gilberto Marques tinha conhecido o professor Edmond Delabarre no exercício das suas funções diplomáticas e era um defensor da tese da prioridade portuguesa na descoberta da América, baseada na interpretação feita pelo professor americano das inscrições da Pedra de Dighton. O professor da Brown University, interessou-se por decifrar as inscrições encontradas num rochedo das margens do rio Tauton, entre as cidades de Fall River e de Tauton. Estas suscitaram ao longo do tempo as mais variadas e contraditórias interpretações. O investigador americano escreveu vários artigos sobre o assunto e, em 1928, saiu uma obra onde expunha a sua controversa interpretação das inscrições ( Delabarre, 1928).

O coronel Roma Machado, António Cabreira e o próprio Gilberto Marques foram os oradores da sessão realizada na Sociedade de Geografia. Num talhão da Avenida da Liberdade, inaugurou-se uma placa com uma inscrição alusiva aos feitos atribuídos a João Vaz Corte Real e a seus filhos, Gaspar e Miguel, que contou com a presença do Presidente da República e uma guarda de honra composta por uma companhia da Marinha e a banda de Caçadores 7 (Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1932). A Casa do Algarve e o Grémio dos Açores também promoveram sessões solenes, seguidas de bailes de gala, em honra dos Corte Reais. O Algarve orgulhava-se dos Corte Reais serem oriundos daquela província e os Açores não esqueciam a sua ligação às capitanias de Angra e de São Jorge, bem como o papel que tinham desempenhado nas navegações para o Ocidente.

Só no ano seguinte a Sociedade de Geografia, o Club Militar Naval e o Grémio dos Açores comemoraram o descobrimento das ilhas com sessões solenes. O facto do centenário ocorrer numa quadra de vilegiatura foi a razão invocada para o adiamento das sessões solenes realizadas na capital (Portugal, Madeira e Açores, 23.3.1933). Na Sociedade de Geografia de Lisboa, os oradores mais destacados foram o ministro da Instrução, que defendeu a tese do descobrimento pré-colombino da América, e o almirante Gago Coutinho. O presidente da Sociedade, na qualidade de anfitrião, e o tenente-coronel Linhares de Lima, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, natural dos Açores, também usaram da palavra, na sessão realizada a 5 de Fevereiro de 1933 (Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1933) naquela instituição, que tinha estado ligada de forma estreita aos eventos comemorativos da expansão portuguesa.

O Grémio dos Açores só veio a realizar a sua sessão a 20 de Maio do mesmo ano, aproveitando o ensejo de chegar a Lisboa o primeiro navio da nova esquadra portuguesa a que foi dado o nome de Gonçalo Velho. Presidiu ao evento o comandante-geral da Armada, em representação do ministro da Marinha. O governador civil de Ponta Delgada, Jaime do Couto, e o presidente da direcção do Grémio dos Açores, Félix Machado, acompanharam-no na mesa da sessão. O comandante e a oficialidade do navio de guerra também estiveram presentes. A noite terminou com um baile de gala que se prolongou pela madrugada (Portugal, Madeira e Açores, 23.5.1933).

Apesar das polémicas e do desinteresse do poder central, as comemorações açorianas tiveram maior expressão em termos nacionais do que tinham tido as madeirenses, em 1922. Às sessões promovidas pelas várias entidades referidas juntaram-se diversas edições especiais feitas pelos periódicos da capital, especialmente dedicadas ao centenário açoriano (cf. Diário de Notícias, O Século, Diário da Manhã, Diário de Lisboa, A Voz, Novidades e o Portugal, Madeira e Açores, do mês de Agosto de 1932). A efeméride não passou, assim, completamente despercebida a nível nacional.