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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

(2005) INVENTÁRIO DO PATRIMÓNIO IMÓVEL DOS AÇORES: VILA DO PORTO, SANTA MARIA. S. L ., DIRECÇÃO REGIONAL DA CULTURA / INSTITUTO AÇORIANO DE CULTURA / CÂMARA MUNICIPAL DE VILA DO PORTO.
Rute Dias Gregório – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais. Universidade dos Açores. Campus de Ponta Delgada. Apartado 1422. 9501-801 Ponta Delgada.
 

Foi dado à estampa mais um volume do trabalho de inventariação do património imóvel das ilhas açorianas. Iniciativa notável e inédita em Portugal, que se concretiza há seis anos e vai já no sétimo volume, elege desta vez como protagonista o concelho de Vila do Porto, ilha de Santa Maria.

Obedecendo a critérios de selecção justificados e a uma rigorosa metodologia de registo, destaca o que de mais relevante o património construído mariense apresentava no ano de 2000, sob o ponto de vista dos elementos tipificados em unidades paisagísticas, conjuntos edificados, edifícios isolados, construções utilitárias e vestígios arqueológicos. O número de espécies inventariadas atinge o total de cento e vinte e nove e distribui-se assimetricamente pelas categorias supracitadas.

Predomina o grupo dos “edifícios isolados”, com mais de metade das unidades consideradas (54%), no qual se destacam os exemplos da arquitectura doméstica, com quarenta e três peças inscritas. Ali emergem vários modelos de habitações, com casas de um e dois pisos, rectangulares, quadrangulares e em “L”, de chaminés cilíndricas ou de secção rectangular. Um elemento sempre presente, a designada “caixa do lar”, impõe-se como corpo justaposto, com ou sem abertura (“janela da gateira”), coroada pela dominante chaminé que lhe confere a funcionalidade de uma lareira. Para mais, as típicas coberturas de quatro águas, ou as de duas, mais recentes e com aproveitamento de sótão, encimam estruturas de cantaria caiada ou pintada, com molduras de vãos, cunhais e socos de cantaria à vista ou pintados, tantas vezes almagrados.

Marca distinta lhe dá particularmente este tom do ocre vermelho, contrastante com a brancura das paredes, a que se juntam as omnipresentes janelas de guilhotina de duas ou três folhas. No extremo oposto da representatividade encontram-se os designados por vestígios arqueológicos, com apenas um registo, a saber, cantarias de vãos com arcos quebrados e lintéis recortados de enquadramento manuelino, provavelmente pertencentes à antiga habitação existente no espaço interno à parede que hoje as ostenta.

O pioneirismo da ilha de Santa Maria no processo de humanização quatro centista dos Açores, expectava a antiguidade das evidências materiais. E ela emergia muito particularmente em catorze das peças inventariadas, cuja época inicial de construção se datam entre o século XV e o XVII. Entre estas, destacáveis são os elementos góticos, manuelinos e renascentistas, de que a espécie tipificada acima é exemplo, e o particular conjunto de treze silos subterrâneos – covas – que regista os mais antigos sistemas de preservação cerealífera. Para mais, a evidente e antiga estrutura urbana de Vila do Porto, “combinação perfeita entre o ‘porto’ e a ‘acrópole’”, de raiz mediterrânica, de forma ímpar documenta nas ilhas os tempos mais remotos, apesar da grande maioria das respectivas edificações se enquadrarem em épocas posteriores.

Bem mais significativos em número são, com naturalidade, os exemplares dos séculos XIX e XX. Estes traduzem-se pelo menos em cerca de 60,5% das espécies inventariadas, com tendência a aumentar se considerarmos os elementos datáveis dos séculos XVIII-XIX. Fruto do carácter perecível dos materiais, da inexorável evolução das técnicas, das concepções e do gosto, sempre pautada por rasgos – maiores ou menores – de engenho e criatividade, os cerca de seiscentos anos de história e de vida humana na ilha acabavam por traduzir-se exponencialmente pelas marcas do passado recente, sempre referencial porque mais presente.

Em suma, esta é uma obra que melhor nos dá a conhecer a riqueza do imóvel construído de Santa Maria, nas suas características mais salientes, na passagem do tempo e no prenúncio do vindouro. Como inventário cumpre perfeitamente os objectivos, indo mesmo um pouco mais além, muito por virtude dos estudos introdutórios e multidisciplinares. Para além do mais, suscita o interesse de ilustração/visualização do que fotograficamente não fica documentado, aguça o investimento noutro tipo de enquadramentos para cada peça, como o histórico-evolutivo e o das potencialidades presentes e futuras. Na senda dos volumes anteriores, destaca-se igualmente pela pertinência do conjunto de mapas inicial, com a localização das espécies por categorias, o útil glossário, a boa apresentação gráfica e a óptima impressão. Se o mote é “conhecer e compreender para preservar”, cremos que uma parte importante da tarefa se concretiza na e pela elaboração deste inventário. R ute Dias Gregório