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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

Pedro da Silveira : uma homenagem
em três andamentos
Onésimo Teotónio Almeida

INDEX

Sumário
Summary
Introducao
1. A presença de Pedro da Silveira nas gerações que se lhe seguiram
2. A ilha, Pedro da Silveira e o seu mundo
3. Pedro da Silveira, inacabado e inesgotável
Bibliografia

3. Pedro da Silveira, inacabado e inesgotável

Guardo em meus ficheiros um dossier com muitas notas que fui tomando de conversas com Pedro da Silveira. Elas são informações curiosas (curiosíssimas muitas), frases inesquecíveis, ditos sarcásticos, histórias únicas que revelam a sua verve nunca controlada, e nem sempre se comportando da melhor maneira, como todos sabemos. Era sua trademark ser irreverente, inconveniente e devoto da lusitaníssima e ancestral tradição que remonta às cantigas de escárnio e maldizer. Um dia talvez consiga reunir todas essas histórias numa longa crónica, procurando recuperar o homem tal como o tenho arquivado em duas entrevistas que lhe fiz – duas para a série televisiva transmitida em 2001 e 2002 pela RTP-Açores e RTP-Internacional e outra para a série “Daqui e da Gente”, no Portuguese Channel, de New Bedford, Massachusetts (1). Aqui e agora, gostava apenas de referir a inesgotável fonte de informação que Pedro da Silveira era. A ele recorriam inúmeros investigadores procurando descobrir quem seria um tal nome que emergia de uma página, ou quem seria o autor de um obscuro texto referido por um desconhecido numa qualquer publicação de circuito restrito. Pedro da Silveira, ou respondia imediatamente, valendo-se de uma memória fora de série, ou não descansava enquanto não deslindasse o caso e se pusesse a escrever uma longa carta a quem lhe fizera a pergunta.

Como se de propósito, estava eu a terminar a revisão deste texto quando me chegou do Pico o segundo volume de Figuras e Factos, de Ermelindo Ávila (2005), por gentil oferta do autor. Num pequeno texto intitulado “Pedro da Silveira e Fernando Castro”, Ermelindo Ávila lembra que, em capítulo anterior, prometera voltar a dizer algo sobre a personalidade do seu conterrâneo Fernando de Azevedo e Castro. Evoca de seguida um serão com Pedro da Silveira num encontro de escritores açorianos nas Velas, S. Jorge, em que essa personagem viera à baila e sobre quem Pedro da Silveira falara abundantemente. Ermelindo Ávila prossegue assim:

“Mas, o mais interessante é que, no final do ano findo, recebi uma carta /de Lisboa/ de Pedro da Silveira que principia por recordar a nossa fala em S. Jorge sobre o meu conterrâneo Fernando de Castro, “… /a/ breve obra de poeta (poemas em prosa) – escreve P.S. continua dispersa –” e o autor, aqui, por identificar e pelo menos já uma vez suposto um pseudónimo de Fernando Pessoa, por ambos terem traduzido textos espíritas para a mesma editora. Confirmou-se então que ele fora morar aí, o que vim a encontrar depois, com a data aproximada, na revista aqui em Lisboa, ISIS, em que ele muito colaborava como espírita que era e tradutor de, entre outros mestres teósofos, Alain Kardek” (Ávila , 2005: 122).

Vale a pena continuar com a citação pelo que ela revela sobre o espírito de curiosidade e de investigador que era o de Pedro da Silveira. Ermelindo Ávila prossegue extraindo passagens da mesma carta:

“Em tempos encontrei numa revista de Lisboa, esta literária, colaborações dele, das quais então tomei nota. Mas perdi-a, lamentavelmente. Não desisto, porém, de rever essas suas colaborações e, juntando-as ao que vem no Almanaque Açores de Andrade [sic] (sete textos), publicar a pequena obra do poeta, na realidade bom.” “Agora mesmo vou escrever à Conservatória do Registo Civil daí pedindo que me forneçam a certidão de óbito de Fernando de Castro. A partir dela, com seus dados, verei, no Arquivo da Horta, quando nasceu. Mas gostaria de saber mais a seu respeito e é por isso que venho maçá-lo. Vagamente sei que seria professor aqui e que era formado, mas não sei em quê nem se por Coimbra ou Lisboa. …” “O Fernando de Castro teve relações com vários intelectuais, além de Fernando Pessoa: por exemplo, o Castelo Branco Chaves e o Alfredo Pimenta (também ele poeta – melhor, sem dúvida, do que como historiador panfletário). Dei-me com o Castelo Branco Chaves, que deixou de ser monárquico e se ligou à Seara Nova, mas, infelizmente, não soube, enquanto ele vivo, que se dava com o Fernando de Castro” (Á vila , 2005: 122-123) (2).

E por aí fora assim, pois era assim Pedro da Silveira nas (certamente milhares de) cartas que por aí dele haverá. Se as guardaram todas, elas constituem um manancial precioso de informação literária, histórica, cultural e sociológica, repleto de entremeados comentários de natureza pessoal, satíricos e mordazes, ou simplesmente (por que não dizê-lo?) da má-língua em que ele se refastelava nivelando todos e reduzindo-os à sua condição de mortais, criaturas humanas com mazelas escondidas nos armários que ele se deleitava a espreitar.

Tentei conseguir de Pedro da Silveira uma entrevista para um número especial da Gávea-Brown que preparava sobre ele, e que só não saiu porque esperei anos pelo material que me prometera: alguns poemas, um conto de temática luso-americana e mais algumas peças de que me falara e que teriam cabida numa revista dedicada à presença portuguesa na América do Norte. Quanto à entrevista, enviei-lhe as perguntas e garantiu-me a dada altura que tinha já respondido a todas, faltando-lhe todavia verificar uns pequenos dados. Insisti com ele para ma remeter mesmo inacabada, receando que, como acontecia com inúmeros dos seus trabalhos, se perdesse nas gavetas, vítima de pequeninas incompletudes que, no seu perfeccionismo, Pedro da Silveira achava serem graves lacunas.

Devem, pois, estar no espólio do poeta e erudito as respostas às seguintes perguntas que lhe enviei para a referida entrevista:

– O seu bisavô andou pelas Américas. O que sabe dele?

– O seu avô e um tio andaram por aqui. Que sabe deles?

– Que mais familiares teve por aqui?

– Fala repetidamente de António Maria Vicente. Que sabe dele?

– Que sabe de Garcia Monteiro que ainda não esteja escrito?

– Nunes da Rosa esteve nas Flores e lá escreveu Pastorais do Mosteiro. Nascido na América, a América está muito presente nos seus contos. Que nos diz de Nunes da Rosa que ainda não esteja escrito?

– Que sabe de Alfred Lewis que ainda não esteja registado em textos impressos?

– Quer falar-nos de baleeiros das Flores (de novo a pergunta refere-se a informações não escritas ainda)?

– De que outras figuras açorianas emigradas para a América gostaria de falar por achar que não são devidamente conhecidas e apreciadas?

– A sua poesia está repleta de referências à América do Norte, sobretudo à Califórnia. Que papel tinha a América no imaginário da cultura florentina da sua adolescência?

– Que escritores americanos leu nos anos formativos da sua adolescência?

– Diz-se que se lia muito nas Flores nos tempos em que não havia televisão. É mito ou verdade?

Acredito que uma simples busca no espólio me seria capaz de desencantar as respostas de Pedro da Silveira com a preciosidade de dados que elas certamente contêm, por mais incompletas que possam estar. Optei, todavia, por guardar para mais tarde a investigação e deixar assim simbolicamente incompleta esta homenagem. O baú de Pedro da Silveira terá muito que contar nas décadas vindouras. E seria bom que alguém começasse para já a empresa de recolher as suas cartas, porque pelo menos o espólio guardado na Biblioteca Nacional está seguro; as cartas, porém, andam ainda à deriva, sob pena de muitas virem a desaparecer. Essas cartas referem frequentemente a lista enorme de projectos que Pedro da Silveira tinha entre mãos. De vários me falou ele nas mencionadas entrevistas, bem como em longas conversas que com ele tive, particularmente durante a semana em que esteve na Nova Inglaterra para uma homenagem que lhe promovemos na Casa dos Açores, de colaboração com o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown University. Fui seu motorista diário durante essa semana alargada.

De um dos seus projectos parece todavia não ter falado muito. Pelo menos nenhum dos seus amigos dele tem notícia. Trata-se da tradução de D. Quixote (C ervantes , 1966). Comprei o clássico em Angra, na Loja do Adriano em Março de 1967 e li-o nesse mesmo ano, mas não me recordava de ser Pedro da Silveira o tradutor. Até reencontrar há pouco tempo esse mesmo exemplar que se me ia afigurando único, pois ninguém parecia saber da tradução e edição de que nem mesmo a Biblioteca Nacional possuía cópia. Mas essa história ficará para outra altura, porque este terceiro andamento da minha homenagem a Pedro da Silveira quero deixar, como indicado no título, sob o signo do inacabado e do inesgotável.

 

(1) Ainda uma outra que com ele fiz para a mesma série, em 1985, foi por incúria desgravada pelos técnicos da estação.

(2) Este texto é datado de 16 de Julho de 2003.

Onésimo Teotónio Almeida – Brown University – Department of Portuguese and Brazilian Studies – Box 0 – Providence, Rhode Island 02912 – U.S.A.