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BOLETIM DO NCH
Nº 15, 2006
Dedicado a Pedro da Silveira

Peregrinação e Memória
– uma abordagem à escrita de Pedro da Silveira

José António Garcia de Chaves

INDEX

Sumário
Summary
Introdução
O fastio da ilha
O poeta e os outros
A errância e o apelo do sangue
O entrosamento regional
O mundo dos ausentes
O tempo e o longe
Lembranças vagas dos mortos
O tempo e a efemeridade
Bibliografia

O entrosamento regional

“Tirem da minha frente esta comida francesa/ e este pão que sabe a giz!/ Tragam-me «lapas d’afonso»,/ vinho de cheiro/ e pão de milho” ( Silveira , 1962: 87).

A poesia de Pedro da Silveira leva-o a registar o modo de vida do seu povo em toda a parte, coloquialismos, saberes e sentimentos: “Na praça os homens falaram da beleza do tempo – / Ano como este nunca se viu./ Vai haver muito milho,/ vai ser um ano grande.// (Há quase dois meses o estaleiro vazio/ e não há quem venda um alqueire de grão.)// Na terra as plantas crescem./ Crescem promessas/ nos olhos do povo.// …Então,/ o vento soprou rijo da banda do mar/ e a salmoira caiu sobre a terra como uma chuva de maldição” ( S ilveira , 1952: 31-32). O poeta alia as ressonâncias regionalistas, insulares, a um pensamento mais profundo, ao questionar o que é a ilha que é, em si, vida, duração, morte e olhar. Pedro da Silveira, tal como Cesário Verde, é um poeta-pintor, retratista de paisagens e de pessoas, errando pelos lugares da visão e da memória, justificando-se o “descritivismo objectivo” apontado por Urbano Bettencourt:

(…) a poesia regista as situações e os gestos de uma vivência marcada pela pequena escala dos acontecimentos quotidianos num tempo que parece suspenso, mas sem perder de vista a memória das contingências históricas, o abandono e o isolamento a meio do Atlântico (B ettencourt , 2004).

Olhar e recordar parece ser o modo de vida de ti Antonho Cristove encostado à sua bengala. Todo o texto («Quatro motivos da Fajã Grande») elabora-se à volta dessa imagem suspensa de uma personagem-vulto de olhos perdidos no mar, com um “passarouco” a planar o céu. Só os “dias de baleia” quebram o feitiço da ilha onde a “vida igual de sempre” se repete no espreitar o horizonte, na absorção, no êxtase e na ansiedade: a ilha precisa do ânimo que esse “sobressalto”, a caça à baleia, implica. Porém, a expectativa de mudança não se concretiza e a placidez e a mornidão “baça” voltam a sufocar os populares: “Mas não há uma vela pelo mar!/ As horas passam, moles, arrastadas…/ A noite vem… Os botes sem chegar! E um choro enche as casas desoladas” ( Silveira , 1952: 32).

 

Palavras-chave : ilha, isolamento, emigração, tempo e memória, poesia açoriana, raízes, realismo. Key-words : island, isolation, emigration, time and memory, Azorean poetry, roots, realism.

José António Garcia de Chaves – jachaves@portugalmail.pt