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MARIA AZENHA
Dezassete poemas com pássaro dentro
8. birds … birds … birds …

disse Caeiro que os poetas místicos
são filósofos doentes,
e os filósofos são homens doidos.

eu porém digo que Caeiro
era o mais místico de todos,
não por ser filósosfo ou poeta
mas porque não sabendo que o era,
corria como os regatos frescos,
e ensinava às pedras a linguagem do ser.

um dia, como o de hoje, vi esta fotografia
que ilustra a minha alma neste dia de calor
e vai mostrando devagar a todos
que há alguma coisa a mais na Natureza fora.

sinto também que a humanidade dos homens
na maioria das vezes está doente,
porque nem sequer repara ou olha
uma fotografia como esta, que é apenas
uma janela para espreitar a Natureza,
agora mais justa e perfeita,
a um qualquer momento dos olhos.

hoje, cruzei-me com ela,
como quando me cruzei pela manhã
com um daqueles mendigos,
que se cruzam todas as vezes por nós,
e quase já não os vemos;
vi-me nele, este pássaro colocado em cruz,
do alto do ar,
graças ao céu e à terra
e ao que ela dá para comer.

nem repararia nisso,
(e que é mais transcendente
que tudo o que os filósofos já escreveram,
mesmo quando uma nuvem passa sobre eles...)
se não me tivesse cruzado com esta fotografia
e com o mendigo, que hoje o vi e li na alma, sozinho.

fico contente.
entro pela tarde fora com um aroma diferente,
e a cor das flores também já não pode ser a mesma.
agora vivem na minha clara simplicidade de estar com elas
e com todos os que passarem, casualmente, por aqui.

talvez tivesse, hoje, acordado
com esta fotografia escondida debaixo do braço,
e tive a felicidade de a encontrar em dois sítios,
aparentemente distantes,
mas quase ao mesmo tempo,
todavia bem aconchegados à minha alma.

para além disso, repito o que já disse
no início deste poema:
Caeiro é o poeta mais místico que alguma vez encontrei
e todos, sem excepção, se cruzam com ele
quer para fazer bem quer para fazer mal,
ou sejam cegos se não quiserem ver.
esta é a homenagem que lhe presto
porque o amo. e amar é estar à porta
de não saber Nada,
e comover-me até às lágrimas,
e de repente chover-me o céu por cima,

birds... birds... birds...

 

maria azenha