EM VIAGEM PELA "LITERATURA DE VIAGENS"
Annabela Rita
19-02-2004

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Fim da viagem (regresso ou paragem ? O futuro o dirá)
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“Põe as sandálias debaixo da árvore, dá repouso aos pincéis.”
“Também fui seduzido pelo vento que faz correr as nuvens.”
Cees Nooteboom
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Poderia continuar a observar o discurso da chamada literatura de viagens, matéria inesgotável, mas detenho-me e concluo.

De um discurso assim modelado na progressão da viagem e informado da sistematicidade do confronto e da instabilidade do gesto interpretativo, discurso onde se insinua a crise da racionalização, o conhecimento vai emergindo, não apenas doseado para o leitor, mas também subjectivizado, relativizado nos fundamentos que o validam, aceitável, mas ainda em processo e, por isso, aspirando a uma síntese futura definidora de novo quadro de referências onde velho e novo se irmanem. Daí sentir-me tentada a afirmar a natureza revolucionária da literatura de viagens: porque investiga outras realidades que acrescenta às originais; porque encena e valoriza o conhecimento em processo, preferindo-o à sua síntese; porque o modo como o faz ensina a conhecer , modela o gesto cognoscente do leitor na sua própria experiência, assumindo uma dimensão de intervenção epistemológica, mais do que simplesmente pedagógica; e, finalmente, porque assume a dimensão subjectiva e precária do conhecimento que a ciência sempre quis escamotear, ao mesmo tempo que o propõe como matéria para reflexão, ou seja, apela à constituição de um novo quadro de referências.

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi, e se algum pouco alonguei, Ela me perdoe, porque o desejo que tinha de vos dizer tudo mo fez assim pôr pelo miúdo.”
Pêro Vaz de Caminha

 

Linda-a-Velha, 15 de Maio de 2000

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