MEMÓRIAS DE UMA VIAGEM AO FUNCHAL: ANNABELA RITA
Casa-Museu "Universo de Memórias"
www.triplov.com
03-03-2004

f

 

O segundo universo de memórias: a obra de Casimiro de Brito. Que revisitei em jeito também memorialístico.

Ao longo de vinte anos, a imagem do autor e da obra mudaram para mim. Em Labirinto Sensível (título composto de partes de dois do autor), dei conta disso, reunindo, revendo e re-perspectivando ensaios, iluminando-os de outro ângulo legitimado por obra mais recente e pela inédita (1).

No início, dominou-o uma perspectiva construtiva e prospectiva, apolínea, arquitectónica. Em Labyrinthus (1981), “polifonia dramática”, as “legendas”, poemas de três versos e de três palavras, que o atravessam enunciam, no seu conjunto, uma Arte Poética coincidindo com o Plano da Obra. Cada um deles propõe um tópico fundamental: o poeta, a vida, o corpo, a mulher, o tempo, a escrita, a terra, o homem, o amor, a obra, o texto, o mar, o escritor, a morte. A eles regressará também em incisões poéticas no seio de obras diversas, como acontece com "A Arte da Escrita", poema de Animal Volátil :

1

A criação do poema: batalha
silenciosa
entre o som e o sentido.

2

Autor? Amante? Se ficas o mesmo
depois dessa viagem,
não fizeste viagem nenhuma.

3

Não há poema para si;
não há poema sem Outro, a quem, cego,
se ofereça.

4

O salto imprevisível
da escuta para a escrita.

5

Aceitar, absorver, engolir
tudo: factos, metáforas, inspirações —
o caos, a contaminação
da rua e do cânone e da corte. Depois
o estilete, o estilo, a minha maneira.

6

O poema está mais quente
na boca de quem o canta
do que no ouvido de quem escuta.

7

Um poema não se escreve. O poema
é escrito no momento preciso
em que é o corpo de si próprio
e pouco tem já a ver com a mão
de quem escreve.

8

A emoção em arte é uma espécie
de música, parece dada
mas não foi (...) foi composta
e depois parida
com muita dor (ainda que a não sintas).

9

Depurar, depurar. O poema

nasce das palavras

que ficam pelo caminho.

10

A palavra não diz nada,
único dizer é o silêncio. (2)

 

 

.

(1) Cf. Labirinto Sensível (escrito em co-autoria com Casimiro de Brito), Lisboa, Roma Editora, 2003.

(2) Casimiro de Brito e Rosa Alice Branco. Animal Volátil, Porto, Afrontamento (Colecção “Poesia”, 47), 2002, pp. 62/63.