MEMÓRIAS DE UMA VIAGEM AO FUNCHAL: ANNABELA RITA / Casa do Artista
www.triplov.com
03-03-2004

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Também iniciativas como os Incontri Internazionali di Poesia organizados pela Casa della Poesia de Salermo, que reivindica o seguinte projecto:

“La Casa della Poesia è un progetto ideato per consentire di essere allo stesso tempo ospiti ed ospitati dall'immaginario in divenire. Le pietre angolari di questa casa sono i poeti, gli scrittori, i musicisti e tutti coloro che con la loro partecipazione contribuiscono alla definizione di un luogo che volutamente non ha limiti o forme predefinite.

Oggi la Casa della Poesia è un laboratorio internazionale volto alla promozione della poesia e della sinergia con gli altri linguaggi artistici e multimediali. Non una semplice struttura di archiviazione dunque, ma un itinerario dinamico, che insegue l'idea del viaggio, del labirinto  borgesiano, un percorso pieno di incontri, scoperte, alla ricerca di luoghi vicini e lontanissimi, di culture diverse e simili, di radici e di proiezioni. Conseguentemente, essa ha una duplice connotazione: da un lato il legame con il territorio nel quale è situata, dall'altro la natura internazionale esaltata da una rete virtuale di comunicazione, che sfocia in un'adeguata presenza sul web.” (1)

As que se constituem em Associações. Como a Maison Internationale des Artistes, criada em Paris, em 1952, com instalações que abrigam desde a Biblioteca e a Videoteca até aos quartos e ao restaurante e café, aberta a artistas do mundo inteiro e com um projecto ambicioso (2), ou a menos ambiciosa Casa del Poeta di Giaveno (3). Ou a Maison de la Poésie de Namur (4), La Maison de la Poésie Rhône-Alpes ou a Maison de la Poésie d'Amay , que organizam encontros poéticos, espectáculos, etc., enfim, toda uma lista interminável de exemplos semelhantes que o mundo nos oferece, até em África, de Marrocos a Dakar.

Outras, ainda, são parte de uma organização empresarial, destinadas a criar condições de trabalho para os artistas com contratos de exclusividade. É o caso de Cheshire Pond - Writer's Residence , do grupo Windstorm Creative (criado em 1989), integrado na Orchard Creative Group, organização internacional dedicada a publicações de toda a espécie, desde livros a edições electrónicas, de jogos a DVDs e CDs de música, de produções teatrais a cinema e a eventos de arte visual.

E já não me refiro aos programas de intercâmbio universitário dedicados aos escritores, como o Victoria University Writer's Fellowship , “ available to a writer in any area of literary and creative activity, including drama, fiction, poetry, New Zealand art, biography, history, film, theatre, new media etc.” (5) e tantos outros.

A Casa do Artista da Madeira oferece-se com um projecto diferente, mais intimista, selectivo e personalizado, como algumas outras que discretamente vão surgindo pelo mundo fora, sob o impulso de instituições culturais que desejam furtá-las à publicitação invasiva (6). Porém, a experiência, na multiplicação dos contactos e do intercâmbio, poderá imprimir-lhe uma dinâmica que a faça vir a assumir outros contornos, mais ambiciosos e, por isso, estrutural e financeiramente mais exigentes.

Miradouro privilegiado sobre o vale do Machico que se espreguiça até ao mar, o Solar de S. Cristóvão, edificado pelo morgado Cristóvão Moniz de Menezes em 1692, evoca o santo e o fidalgo, na casa como na capela e no belo jardim que me acolhe, gentilmente conduzida por Lúcia Galhardo, atenciosa Relações Públicas da DRAC (Direcção Regional dos Assuntos Culturais), lembra também outros donos cujos nomes se descobrem num azulejo armoriado na parede ao cimo da escada: Moniz, Menezes, Câmara, Drummond.

Carlos Cristóvão da Câmara Leme Escórcio de Bettencourt (1924 -1998), poeta e escritor, em 13 de Março de 1987, doou à Região Autónoma da Madeira a capela e o Solar de São Cristóvão, actualmente classificado como Património Cultural.

Muitos por ele passaram, alguns sobrevivendo ainda na memória das gentes locais, como Madre Mary Jane Wilson (1840-1916), a quem se deve, por acordo com D. Júlia de Bettencourt, filha e herdeira do morgado de São Cristóvão, a instalação no Solar de São Cristóvão de um centro educacional em 1905.

Desde 27 de Janeiro de 2000, o Solar de São Cristóvão é a Casa do Artista, hospedando personalidades de reconhecido mérito que, a convite do Governo da Região Autónoma da Madeira ou por proposta de instituições culturais, desejem desenvolver alguma actividade de carácter cultural. Em contrapartida, deixam um testemunho da sua obra e estreitam laços com os colegas de ofício, mas também com a comunidade madeirense em geral, quer através do convívio local, quer através de iniciativas de sessões organizadas em escolas, bibliotecas, etc..

Construção de um poeta oferecida ao sonho de outro, João Carlos Abreu (7), que, como Secretário Regional do Turismo e Cultura da Madeira, a tornou obra de um governo.

Aos poucos, nas memórias do solar, outras se vão imbricando, redefinindo a família à escala da universalidade possível que a cultura instaura, dissolvendo os originais critérios de sangue e de propriedade. A própria fisionomia doméstica se transforma. Pela reorganização dos espaços e da decoração, favorecendo a habitação temporária de intelectuais que lá vão fazer avançar os seus projectos de trabalho. Mas também pelos vestígios da singularidade estética e da humanidade de quem por lá passou: livros, CDs com exposições, pinturas, fotografias, etc., além de peças mais pessoais, esquecidas ou propositadamente deixadas para aligeirar a bagagem, documentos em computador, esboços sobre o cavalete, etc.. Ou podem seguir o exemplo de Casimiro de Brito, que tem dirigido o Festival Internacional de Poesia de Porto Santo, e que lhe doará uma biblioteca de 1000 obras, entre elas primeiras edições e edições autografadas, conjunto que ficará com o seu nome. Ou, como Ana Hatherly, podem desejar deixar a sua marca, através de um prémio de criação (no caso, de artes plásticas), estímulo sempre bem-vindo.

No livro de visitas, a última página escrita estava quase completamente preenchida por caracteres orientais lembrando um pequeno exército de insectos perfilados que, de súbito, encenassem um inesperado e mágico ballet . Na palidez da folha, o traço negro do pincel sugeria, em plano recuado, um teatro de sombras acompanhando a evolução da dança. Por baixo, uma fina caligrafia europeia pareceu congelar o movimento anterior na tradução que ensaiou. Faltava ainda a assinatura da pintora e escultora japonesa que lá estava na altura, reservando essa inscrição para o momento da partida. Assinatura em jeito de grata despedida de uma terra que adoptou e que tornará mais uma referência da sua arte.

Memórias, portanto, acarinhando-se mutuamente, tecendo afectos, vertendo-se em obra e em vestígios dela, marca d'água que começa a projectar a Madeira num terreno ainda de poucos, universos de discreta excelência cultural.

Lugar de encontro, de descoberta e de criação, a Casa do Artista transforma-se depois, na distância do tempo e da viagem, numa quase mítica e, no entanto, tão familiar, casa de desejado regresso.

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(1) Cit. de desdobrável de 2001 reproduzido na net em http://www.nonsoloparole.com/docword.sidaja2001.doc.

(2) Projecto que assim se apresenta:

“La Maison des Artistes est, avec l'Agessa, l'un des deux organismes agréés par l'Etat pour la gestion des assurances sociales des artistes auteurs. Elle gère les auteurs d'oeuvres graphiques et plastiques (peintres, sculpteurs, graveurs, dessinateurs textiles, graphistes, illustrateurs autres que les illustrateurs d'écrits littéraires et scientifiques, auteurs de tapisseries ou textiles muraux, de mosaïques et de vitraux).
Constitué en association, cet organisme assume le rôle d'employeur pour l'affiliation (c'est lui qui transmet votre dossier aux caisses primaires pour que vous soyez immatriculé à la sécurité sociale), il recouvre les cotisations sociales mais ne verse pas les prestations (celles-ci sont versées par les caisses de sécurité sociale). C'est la caisse primaire d'assurance maladie qui notifie la date d'effet de l'affiliation à l'artiste et délivre la carte vitale.

La maison des artistes est chargée notamment :

• du recensement permanent des auteurs d'oeuvres originales graphiques et plastiques (peintres, dessinateurs, sculpteurs, graveurs, illustrateurs autres qu'illustrateurs d'écrits littéraires et scientifiques diffusés par la voie du livre, graphistes, auteurs de tapisseries, textiles muraux, mosaïques et vitraux),

•  de procéder à l'assujettissement aux cotisations de revenus des artistes de la branche précitée,

•  de faire procéder à l'affiliation et au renouvellement d'affiliation par les CPAM,

•  de recouvrer les cotisations sociales, la CSG et la RDS. ”

(http://www.maisondesartistes.org/pres.htm).

(3) Cujo projecto, no enunciado dos seus “Soggiorni Artistici presso ‘L'Arco delle Streghe'”, a aproxima do da Casa do Artista do Machico:

“L'associazione mette a disposizione degli artisti europei - pittori, scultori, poeti, scrittori, musicisti, fotografi- uno spazio di vita per soggiorni da una a tre settimane. Durante il soggiorno dell'artista, l'associazione organizza degli incontri, nel corso dei quali egli potrà presentare le proprie opere al pubblico. /.../ L'associazione proporrà inoltre percorsi culturali mirati alla tipologia del territorio di Giaveno e dintorni: storia locale; forti delle valli;abbazia; Museo Egizio e del Cinema di Torino; itinerario Luigi Pirandello e Cesare Pavese... ”

E aceita candidaturas acompanhadas dos curricula dos artistas, sujeitos a apreciação. "Les Droles" é uma “associazione di poeti e artisti organizza incontri e scambi culturali con artisti europei”.

(4) Casa que se afirma “ un lieu de rencontre, de réflexion, d'animation, d'information, de création et d'éducation permanente touchant la poésie francophone de Belgique et celle des autres pays, tant dans leurs aspects contemporains qu'historiques ” , mantendo relações internacionais intensas, quer com suas homólogas, quer com personalidades culturais. E que se coloca nos seus folhetos sob o signo de uma citação de La Nostalgie des origines de Mircea Eliade:

“ Il ne s'agit pas simplement d'élargir notre horizon, d'accroître quantitativement et de manière statique notre connaissance de l'homme: c'est la rencontre, la confrontation avec les autres qui est stimulante et fertile sur le plan culturel; c'est l'expérience personnelle de cette herméneutique unique qui est créatrice. ”

(5) Cit. de um impresso desdobrável.

(6) É o caso, p. ex., de Le Château de Lavigny – Résidence pour Écrivains/Writer's Residence (em Lavigny, na Suiça), da Fondation Ledig-Rowohlt, que convida e aceita autores para permanências de trabalho limitadas, organizando com eles sessões de leitura de obras, de conversas literárias, etc., sempre em pequenos grupos, e que se caracteriza do seguinte modo:

“La résidence internationale pour écrivains au Château de Lavigny a été fondée par feu Jane Rowohlt à la mémoire de son époux, l'éditeur allemand Heinrich Maria Ledig-Rowohlt. Son vœu était de faire de leur domicile, le Château de Lavigny, une résidence pour écrivains désireux de partager « un esprit de communauté internationale propice à la création ». En 1996, un petit groupe de gens de lettres et d'administrateurs bénévoles de divers pays s'est engagé à donner vie à cette institution. Ledig-Rowohlt qui publiait Albert Camus, William Faulkner, Ernest Hemingway, Günther Grass, Vladimir Nabokov, John Updike, Harold Pinter, Jean-Paul Sartre et bien d'autres grands écrivains du XXème siècle, cherchait encore et toujours de nouvelles voix. La Fondation, fidèle à cet esprit, encourage les jeunes auteurs ainsi que les autres, déjà consacrés, à se présenter. Elle favorise ceux qui désirent échanger des idées tout en se concentrant sur leur propre œuvre. ” (cit. retirada de um desdobrável)

(7) Poeta, João Carlos Abreu tem 12 livros editados, 9 em poesia e 3 em prosa, tendo sido já galardoado em alguns eventos literários, nomeadamente no Prémio Capri. Ganhou ainda alguns prémios de mérito turístico pelo trabalho desenvolvido em prol da cultura e turismo da Madeira. Obras principais: Poema Nova York (1995), Carta Amiga aos Autarcas da Minha Terra (1985), Da Ilha e de Mim , (1980), O Turismo das Culturas (1990), Porta Aberta (1990), Sobre o Voo da Gaivota (1994), Dos Deuses ao Turismo Rural (1996), Mon Île (1996), Dona Joana Rabo de Peixe (1996), Água no Mar (1999), A Barca sem Rumo (2001).