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ANNABELA RITA
Emergências estéticas
 
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

"Finalmente, a última das compensações ao nivelamento da linguagem, a mais importante, a mais inesperada também, é o aparecimento da literatura. Da literatura como tal, porque desde Dante, desde Homero, existiu realmente, no mundo ocidental uma forma de linguagem que nós outros, agora, denominamos 'literatura'. Mas a palavra é de fresca data, como é recente também na nossa cultura o isolamento de uma linguagem particular cuja modalidade própria é ser 'literária'. É que, no início do séc. XIX, na época em que a linguagem se entranhava na sua espessura de objecto e se deixava, de parte a parte, atravessar por um saber, reconstituía-se ela alhures, sob uma forma independente, de acesso difícil, dobrada sobre o enigma do seu nascimento e inteiramente referida ao puro acto de escrever."

Michel Foucault. As Palavras e as Coisas

A leitura de "O Silêncio" (1966) e de "A Casa do Mar" (1970), de Sophia de Mello Breyner Andresen (1), e de Grito, de Rui Nunes (2), fazendo-me reconhecer como sinal de modernidade uma consciência estética matricialmente imbrincada no trabalho de escrita e denunciada por procedimentos citacionais (3), sensibiliza-me também para uma diferente modalização desse diálogo intertextual, diferença que talvez possa informar sobre sentidos da transformação da interdiscursividade ao longo do século XX. Sigo, pois, em busca dessa história íntima, secreta, do signo estético que na letra e na imagem se vai denunciando...

"O esplendor poisava solene sobre o mar. E /.../ quase me cega a perfeição como um sol olhando de frente. Mas logo as águas verdes em sua transparência me diluem e eu mergulho /.../. /.../

As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim. /.../

Eis o mar e a luz vistos por dentro. /.../ Atravesso gargantas de pedra e a arquitectura do labirinto paira /.../. /.../

O meu olhar tornou-se liso como um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam.

E eis que entro na gruta mais interior e mais cavada."

Sophia de Mello Breyner Andresen. "As Grutas"

 

(1) Sophia de Mello Breyner Andresen. "O Silêncio" (1966) e "A Casa do Mar" (1970) in Histórias da Terra e do Mar , 7ª ed., Lisboa, Texto Editora, 1994, pp. 45/55 e 57/72. Por comodidade, darei as referências de paginação ao longo do texto. Ao longo deste trabalho, recorro também à Obra Poética (Lisboa, Caminho, I vol.-1998, II vol.- 1998, III vol.-1996) da autora, localizando sempre as citações pelas iniciais seguidas do número do volume e das páginas.

(2) Refiro-me à obra Grito , Lisboa, Relógio d'Água, 1997. Por comodidade, darei as referências de paginação ao longo do texto.

(3) Cf. Linda Hutcheon . Uma Teoria da Paródia , Lisboa, Edições 70, 1989.