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Percursos e Diálogos Inter-artes:
para uma Cartografia da obra de Annabela Rita

Por Fernanda Santos [1]

  Um livro só é bom na medida em que nos traz um diálogo latente, em que sentimos que o autor sabe imaginar concretamente o seu leitor e este percebe, como que saindo das linhas, uma mão ectoplásmica que apalpa a sua pessoa, que quer acariciá-la ou, então, muito cortesmente, dar-lhe um murro.
Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas, p. 9

1 – Mapas de leitura e instrumentos de orientação 

Se a obra é “o metamórfico mapa desse continente em mutação que é a Literatura”, Itinerário[2] abre o leque das quatro obras aqui escolhidas para análise, da autora Annabela Rita. Itinerário, Cartografias Literárias, Paisagem & Figuras, Focais Literárias são obras que fazem parte de uma rota textual de viagem é a da autora, mas também a dos leitores, com todas as suas expectativas, avanços, retrocessos e hesitações, sob a égide da procura e da descoberta. Nesse processo de conhecimento, dá-se, necessariamente,  a atualização de uma memória, a flexibilidade da imaginação. A escrita e a obra ensaística reunida pela autora desafiam, quase sempre, a que o leitor encontre caminhos possíveis – mas nunca únicos, na dinâmica do seu próprio percurso individual. O discurso integra outras práticas artísticas, de literatura, de pintura, de música, abrindo perspectivas, colocando hipóteses interpretativas, e por vezes modulando, esteticamente, o olhar. O leitor é permanentemente convidado a entrar num exercício inter-artes, respondendo aos apelos e aos estímulos, ao ritmo das leituras, e à caminhada intelectual e existencial, onde é possível se (re)encontrar.

Tomando em linha de conta que o fenómeno estético tem uma fluidez muito própria nas suas fronteiras, metamorfoseando-se, ou re-cartografando-se, o diálogo inter-artes parece ser um conceito-chave em todas as obras. Cada texto corresponde a uma viagem, a uma etapa da leitura e à percepção sinestética da autora.

Robert Scholes referia que o texto instaura regras (protocolos) de leitura que pretendem que o leitor não caia em interpretações inadequadas, conduzindo, desse modo, o seu olhar para o interior da obra. Os instrumentos de orientação são precisos e determinados para o leitor. Capa, título, epígrafe, aquilo a que chamaríamos o paratexto, são os lugares que o ajudam a definir a sua expectativa de leitura. O jogo em que a escrita se movimenta está sempre em vias de transgredir e de inverter a regularidade que ela aceita e com a qual se movimenta, indo para além das suas regras. Dentro da natureza sempre provisória da leitura, num mapa de um continente em mutação como é o da Literatura, cada incursão textual contempla movimentos exploratórios, dentro de um quadro de referências em permanente atualização. A dispositio textual é fabricada para atingir o leitor, condicionando a recepção.

Nos “Instrumentos de Orientação”, que dirigem a orquestra de textos da obra Itinerário, a autora permite entrever que a abertura de janelas para o mundo é diversa, obrigando a exercícios de memória e de associação. A autora revisiona outros autores, outras referências. Assim, ao leitor é colocado o desafio de (re)construir o caminho percorrido, ligando os diversos pontos luminosos no caminho apontado.

É possível ao leitor entrar numa viagem iterativa de análise de diversos géneros literários e de autores de épocas diversas, desde Seiscentos à Época Contemporânea. São territórios diversos e objetos de estudo e reflexão da autora os escritores António Vieira, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Sena Freitas, Sebastião de Magalhães Lima, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner Andresen, Ruben A., Eduardo Lourenço, Miguel Barbosa, Alçada Baptista, Fernando Cristóvão, Júlio Conrado, Amadeu Lopes Sabino, Filomena Marona Beja, Rui Nunes, José Augusto Mourão, Miguel Real, Sérgio Luís de Carvalho, Alexandre Honrado. Deixa ainda espaço para dois excursos, textos produzidos numa reflexão pessoal, um deles sobre a relação natureza e cultura e outro sobre o tempo e a sua passagem inexorável pela vida de cada um.

Os vários autores e respectivas obras sobre os quais a autora se debruça, nas suas análises, são aqueles que assinala como lugares e padrões, marcos do seu trajeto pessoal e intelectual. Os excursos estão na margem desse território demarcado, mas fazem igualmente parte deste itinerário, fazem parte de uma reflexão sobre tempo e espaço.

Do mesmo modo, Cartografias Literárias[3], editado em 2010, está assente no princípio de que a geografia da arrumação dos textos guia a leitura, sem no entanto cerceá-la aos seus leitores. Divididos em subcampos intitulados “Instrumentos de Orientação”, “Territórios” e “Diários de Bordo”, a geografia do mapa que a autora percorre aparece, à cabeça, com uma bússola atualizada, o GPS, ainda que este esteja dirigido para “uma geografia incerta”[4]. Em terra, os “Territórios” dividem-se em casas, mas casas especiais, a casa da palavra, e porque afinal são as palavras que compõem os textos, também a palavra da casa e a palavra entre casas têm o seu lugar marcado em território seguro. Pelo mar, somos igualmente guiados por “Diários de Bordo” reunidos pela autora.

Os “Territórios” aqui designados são os percursos neste mapa é feito da “Casa da Palavra” para a “Palavra da Casa”, até chegar à “Palavra entre Casas”. Aqui, predomina o elemento terra, o elemento concreto e enraizado. A viagem continua noutro género literário, o lírico, referindo a Poesia Portuguesa Contemporânea, que é, afinal, a “Palavra da Casa”. Finalmente, na chegada ou paragem momentânea, a “Palavra entre Casas” refere as coordenadas de uma cartografia identitária, que se faz entre o Eu e o Outro, que “designam lugares opostos no eixo comunicativo em circunstâncias contingentes, uma relação de papéis reversível, susceptível de engano e/ou de simulação e dissimulação.”[5]

Esse olhar sobre o outro pode ser mais abrangente, e no texto seguinte, intitulado  “Reconfigurações da Europa na Cultura Portuguesa do Romantismo ao início do séc. XX”, a autora partilha observações sobre o modo como a Europa foi sendo constantemente reconfigurada nos textos de alguns escritores portugueses mais destacados, como Almeida Garrett, Eça de Queirós, Cesário Verde, António Nobre, Fernando Pessoa, Sebastião de Magalhães Lima. Ainda na “Palavra entre Casas” aportamos no éden literário, pois chegamos ao terceiro texto desta parte, fechada com chave de ouro, intitulado “Jardins da Literatura”.

Propósito da autora ou leitura possível e sempre subjetiva, o número três é recorrente, na divisão tripartida de “Territórios”. O três é, universalmente, um número fundamental. Exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmos ou no homem. Indica-nos a completude, a tríade perfeita. Dessa perfeição trata o último texto de “Territórios”, referenciando a Natureza, o Homem e a Palavra, nos seus mitos e nas suas virtudes primordiais, a Idade de Ouro “onde o tempo se absolutizava”[6].

Chegámos ao elemento da água, em “Diários de Bordo”, que se inicia por uma preleção sobre o signo literário, simbólico, intitulada “Da Acostagem: Processos e Lugares”. Os “Diários” percorrem contos de autores consagrados da nossa literatura, organizados por ordem cronológica: Eça de Queirós, Sophia de Mello Breyner Andersen e Teolinda Gersão. Nessa viagem, itinerário em que a autora parte à descoberta do conto, encontramos reflexões distintas e igualmente complexas, muitas delas construídas em três passos quase bíblicos, fundacionais do mundo narrativo e ficcional.

De lupa em riste, a autora parte de impressões, das pegadas silenciosas deixadas pelo próprio texto ao leitor, procedendo a um processo de investigação quase guinsburguiano[7]. Procura no conto “José Matias”, de Eça de Queirós, a personagem homónima do título, mas vislumbra-o apenas como personagem ficcional, tese que depois descredibiliza na sua análise textual, mostrando como José Matias pode funcionar como “uma reflexão do género conto”[8]. Por impressões trabalha também o conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, “O Silêncio”, desta vez dando sete passos progressivos na sua interpretação, em sete dias, conforme a criação do mundo. Em termos bíblicos, o sete também se refere aos sete selos do apocalipse e aos sete dias da semana. Sendo um número carregado de simbologia, o sete é também o número da perfeição, dos sete chacras, dos sete corpos existenciais do ser (corpo físico, corpo vital, corpo astral, corpo mental, corpo causal ou da vontade, corpo búdico ou da consciência, corpo átmico ou íntimo). É ainda um número universal, porque os Maias acreditavam também que o céu tinha sete camadas.

Debruçando-se sobre mais um conto de Sophia, “A Casa do Mar”, a autora coloca quatro dias e quatro hipóteses de leitura a serem postas à prova, trabalhando com as impressões deixadas pelo texto ao leitor, através de uma progressiva revisitação de espaços, trabalhando minuciosamente a casa que Sophia descreve. E em “Cidades”, um conto de Teolinda Gersão, o mapa e a cartografia literária do texto voltam a ser percorrida em três dias, em três impressões, escrita e memória inscritos num “mapa dúplice: o do espaço e o dos corpos”[9].

A autora não tem pretensões de leituras conclusivas e deixa em aberto, ao leitor, a sua própria análise e interpretação de espaços, desenhando a história de contato e de convívio com um texto literário, um convívio pessoal mapeado.

2 -  Notas de viagem: rotas imaginárias 

A obra de 2011 Paisagem & Figuras[10] está assente nos mesmos esteios, continuando a autora a sua análise literária atenta e rigorosa, num conjunto de ensaios dispostos em partes. As reflexões contidas nos ensaios são fruto de um percurso pessoal marcado pela sua pesquisa, enquanto investigadora, professora e ensaísta, mas também fruto de um olhar que se vai refinando e apurando, como um bom vinho, com o passar dos anos. As obras da autora formam, afinal, um puzzle de perspectivação da evolução estética da literatura do Romantismo até aos nossos dias, numa trajetória que tende a reavaliar esse itinerário em função de uma leitura cada vez mais interdisciplinar.

A organização das obras passa por um escrutínio meticuloso e atento, que em Paisagens & Figuras se configura como um jogo de sombras. A sedutora proposta que é feita ao leitor é a de uma leitura que imprima no seu imaginário uma perspectiva inter-artes, travessia essa que também se constrói nos títulos e subtítulos, representativos do discurso que vai tomando o terreno e que se dá a conhecer ao leitor. Não é casual que o número três continue a ser uma escolha da autora, nas “Notas de Viagem: esboços (paisagens & figuras)”, na segunda parte, a “Exposição & Concerto ‘3+1’” e o “2.º Painel com Trilogias Perspécticas com E de Ensaio”. Refere-se em “Antelóquio” um “compasso ternário”[11]. Mas a “Promenade” e o “Díptico” assentam na dualidade, no número dois, no número que fratura a unidade, que constitui o par, que liga o bem e o mal, o mortal e o imortal.

Construindo-se uma crónica pessoal, de uma leitura sempre em desenvolvimento, os textos mostram as viagens pessoais e literárias da autora, nas quais o leitor está avisado de que há um mapa a ser percorrido sem pressas. A obra realiza a sua maior construção, a dualidade recetiva de autor-leitor, que juntos criam um só universo, o da unidade, da vontade, da criação.

Mas a estratégia literária tem maior alcance quando se entende que há mais um intermediário no caminho, A., cujas colocações aparecem em paratexto para suscitar dúvidas, para fazer escolhas, para percorrer caminhos que de outro modo não iríamos percorrer, ou até para nos contrariar. O discurso narrativo, construído a partir das notas e observações de A., dirige o olhar, instituindo um ponto de vista organizador da experiência perceptiva, responsável por destacar paisagens e figuras. A narração cruza o trabalho autoral com a pesquisa de A., fundindo-se num só monumento, a obra que vai aparecendo, como que outrora invisível, mas que se vai tornando cada vez mais nítida, sob o olhar expectante do leitor.

Num mar de textos, notas, post-it, folhas amarelas de diferentes texturas, projeto de aulas, e até escritos confessionais, pela mão de A. somos levados a construir um mundo interpretativo e figurativo para além dos textos, um mundo diverso de paisagens. Este é um trabalho de recolha que vem descrito em “Antelóquio”, um trabalho editorial monitorizado pela instância autoral, que descreve a recolha como um “rito”, que acontece num “tempo suspenso”[12].

É ainda frequente que, como em Itinerário, haja um GPS que nos guie através de pequenos intervalos, interlúdios, que separam e unem as partes do todo que é a obra. “Antelóquio” apresenta A. revisitando as suas leituras, convidando-nos a participar nelas, nas suas “transversalidades, viagem e paragem”[13]. Note-se que a obra percorre referências artísticas diversas, cruzando-as com as leituras. Obras de arte, peças musicais, exposições, são fulcrais na organização das leituras e assumem papel preponderante no itinerário descrito.

“Díptico” assinala o panorama das paisagens ainda por descrever, em dois painéis, um sobre literaturas e mundos lusófonos, outro que se apresenta como um estado da arte de temas vastos, como a História de Portugal, a Literatura Portuguesa, a Filosofia Portuguesa, entre outros.

A obra tem um encadeamento de ensaios que representam a travessia da autora por diversas leituras e temáticas. Os textos contemplados para análise são os de Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Cesário Verde, António Nobre, Fernando Pessoa, Guerra Junqueiro, Magalhães Lima, Sophia de Mello Breyner Andersen, Teolinda Gersão, José Jorge Letria. Contemplando-se o registo ficcional através de A., que deixa o seu percurso de leitor (ou leitora) anónimo(a) disperso em papéis e apontamentos vários, o leitor é convidado a participar em vários cenários interpretativos, em várias leituras de textos clássicos e de textos contemporâneos, viajando pela literatura portuguesa, “escapando à geometria descritiva e aos pilares mais evidentes.”[14]

3 – Mitos e Memórias: um jogo de sombras 

As obras da autora têm entre si laços que nunca se podem desconectar ou perder de vista, numa trajetória cada vez mais interdisciplinar. Como um jogo de sombras, a literatura caracteriza-se, no horizonte da autora, pelas suas “transversalidades, viagem e paragem”[15]. Também a obra Focais Literárias[16], de 2012, propõe ao leitor uma perspectiva inter-artes, um olhar inter-artístico, que constantemente se constrói e se desvela, da literatura para a imagem e da imagem para a literatura. Como a própria autora afirma, “Não há escrita nem leitura neutras.”[17] Na senda de Bataille, que referia que a literatura não era inocente, e por isso mesmo se devia confessar culpada[18], a autora volta a munir o seu leitor de instrumentos de orientação[19], tendo em conta que os processos dinâmicos inerentes à comunicação são complexos, condicionados por tantas variantes como a cultura, o espaço e o tempo do leitor. A percepção é indestrinçável das suas condicionantes sociais e culturais.

A obra apresenta-se tripartida, entre “Figuras”, “Memórias na Paisagem” e “Sombras de Outras Margens”. As três partes continuam a ser de escolha autoral, revelando que a perfeição é uma aposta, uma escolha, uma possibilidade, mas que está em constante busca, por parte de quem escreve, cujo universo é inundado de referências literárias e artísticas, obrigando o leitor a um desdobramento a que a própria obra convida. Nem só de palavras e discursos vive a literatura, mas também de muitas expressões artísticas que convoca constantemente. A complexidade implicada nestes processos está num balão de ensaios a que autora chamou de Focais Literárias. Modestamente, a autora diz: “Aqui, apenas relativizo com elas as focais que partilho neste volume”[20].

Mergulhados numa “mudança de paradigma na conceptualização e na prática do estético”[21], as vias de leitura são diversas, sem deixar de lado o “inquestionável poder da imagem”[22]. As “Imagens” são, afinal, a introdução e o mote de abertura da obra, explorando a relação estética entre pintura, arquitetura e poesia, em autores como Joaquim Carvalho ou Alice Valente Alves. Também a pintura e a arquitetura se inscrevem nesse fluxo, cruzando percursos. As Letras, as Artes e os Mitos são aqui captados pela objetiva da autora. A obra constitui-se como uma sucessão de disparos fotográficos, centrados na cena comunicativa literária e cultural. Como numa exposição, a obra coloca à disposição um desfile de textos, autores, problemáticas e casos, mas cada um é uma viagem pessoal de “conhecimentos, reconhecimentos e irreconhecimentos”[23].

As “Figuras” em pauta são as que se cruzaram com a autora, nas suas leituras pessoais e académicas, as quais não se furta de analisar com o seu toque pessoal e autoral, longe das análises literárias exaustivas da academia, proporcionando ao leitor um novo olhar, mas no qual, como referiu Roland Barthes, o texto dá a prova de que deseja o leitor[24]. A autora convoca esse desejo, inerente aos textos, na sua análise inter-artes, e dá-o como ponto de partida ao leitor, abrindo as possibilidades de leitura e interpretação.

As suas figuras escolhidas foram aquelas que passaram pelas suas mãos, enquanto professora, enquanto ensaísta, enquanto leitora atenta. Não escapam, à sua análise, o nome de Eça de Queirós, Gervásio Lobato, Fialho de ou Guerra Junqueiro, bem como uma discussão atenta ao género literário cronístico, em voga em Oitocentos, ou aos periódicos da época.

Mas outros olhares estão contidos nas figuras em pauta, entre eles o olhar contemporâneo sobre Onésimo Teotónio de Almeida, Luís Machado de Abreu a Vitorino Magalhães Godinho (falecido em 2011), sendo os dois últimos homenageados em textos da autora. Há ainda espaço para um olhar sobre obras contemporâneas, como as de Teolinda Gersão, Gonçalo M. Tavares, António Cândido Franco. Em suma, a obra apresenta-se como uma coletânea de textos, da crónica à ficção, da poesia ao teatro, do texto mais modelar ao da confluência de géneros, do século XIX ao presente, analisando as transformações dos processos e das estratégias comunicativas em função das circunstâncias históricas, sociais, estéticas e culturais. Como a própria autora afirmara, em Cartografias Literárias, as suas obras “formam um puzzle de perspectivação da evolução estética da literatura do Romantismo até aos nossos dias, numa trajetória que tende a reavaliar esse itinerário em função de uma leitura cada vez mais inter-disciplinar e inter-artes.”[25] A proposta que se faz ao leitor é a de uma leitura que imprima no seu imaginário “uma perspectiva interartes, transversal e abrangente, compreensiva.”[26]

Diria eu, leitora atenta e regular da obra desta autora, que toda a sua obra se dirige, como força centrípeta dos textos, para o interior da sua experiência pessoal, quando na segunda e terceira parte de Focais Literárias se aproxima de “Memórias na Paisagem” e de “Sombras de Outras Margens”, que são, afinal, os seus percursos mais recentes no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa, no qual exerceu a função de diretora. Nesses percursos, encontramos as suas produções académicas, mas mais do que isso, as suas batalhas pessoais e profissionais, junto de uma equipa multidisciplinar que não se furta a citar e a elogiar, quando escreve sobre a trajetória do CLEPUL e a criação da Tertúlia Letras Com(n)Vida. A multidisciplinaridade e as inúmeras parcerias são o foco desta análise, permeada de um toque biográfico. Podemos contar com o respeito e o orgulho académico, profissional e pessoal de uma autora que desde sempre foi professora da Faculdade de Letras de Lisboa, e cujos ensaios e projetos espelham uma dedicação sem par no panorama atual das ciências humanas. Os projetos que aparecem em “Memórias na Paisagem” e em “Sombras de Outras Margens” são, como as palavras na literatura portuguesa, “uma travessia com pontos luminosos”[27].

A mais-valia das obras aqui analisadas é que estas não se apresentam apenas como um conjunto de ensaios numa perspectiva inter-artística, como numa primeira leitura poderia parecer. É sim um conjunto de diversos projetos, mapeados pela autora, unidos por um fio condutor comum, constituindo uma produção diacrónica e sincrónica de textos. Mais do que isso, estes unem-se por si mesmos, pela sensibilidade da própria autora, fazendo um arco temporal entre o passado e o presente, multiplicando as possibilidades de focar a arte e a vida, a cultura e alguns dos seus casos, os rostos e as máscaras. 

[1] Doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Investigadora integrada no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa.
[2] Annabela Rita, Itinerário, Lisboa, Roma editora, 2009, 232 pp.

[3] Annabela Rita, Cartografias Literárias, Lisboa, Esfera do Caos editores, 2010, 198 pp. Cartografias Literárias terá uma edição brasileira na coleção http://www.escrituras.com.br/ponte.htm.

[4] Ibidem, p. 23.

[5] Ibidem, pp.75-76.

[6] Ibidem, p. 102.

[7] Cf. Carlo Guinsburg, Il formaggio e i vermi. Il cosmo di un mugnaio del '500, 1976.

[8] Annabela Rita, Cartografias Literárias, op. cit., p. 139.

[9] Ibidem, p. 185.

[10] Annabela Rita, Paisagem & Figuras, Lisboa, Esfera do Caos, 2011, 214 pp.

[11] Ibidem, p. 14.

[12] Ibidem, p. 14.
[13] Idem.
[14] Ibidem, p. 214.

[15] Annabela Rita, Paisagem & Figuras, Lisboa, Esfera do Caos, 2011, p. 14.

[16] Annabela Rita, Focais Literárias, Lisboa, Esfera do Caos, Coleção Luso-Graphias/ Phonias, CLEPUL – Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2012, 192 pp.
[17] Ibidem, p. 14.
[18] George Bataille, A Literatura e o Mal, Trad. António Borges Coelho, Lisboa, Vega editora, 1998, p. 6.
[19] Annabela Rita, Itinerário, op. cit., p. 19.
[20] Annabela Rita, Focais Literárias, op. cit., p. 12.
[21] Ibidem, p. 13.
[22] Ibidem, p. 26.
[23] Annabela Rita, Cartografias Literárias, p. 29.
[24] Cf. Roland Barthes, O Prazer do Texto, Lisboa, Edições 70, 1998.
[25] Annabela Rita, Cartografias Literárias, op. cit., p. 23.
[26] Ibidem, p. 16.
[27] Ibidem, p. 33.

Annabela Rita (n. 1958). Doutorada em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela Universidade de Lisboa, em cuja Faculdade de Letras é professora. Integrou a MRPB - Missão para o Relatório sobre o Processo de Bolonha (2003-04) e, actualmente, é Conselheira para a Igualdade de Oportunidades do MCTES. Directora do Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa das Universidades de Lisboa, investigadora do Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira (Universidade Católica Portuguesa) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, coordenadora de um projecto do Centro de Estudos de Culturas Lusófonas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, membro da Direcção da Associação Portuguesa de Tradutores, do P.E.N. Clube Português, da Associação Portuguesa de Críticos Literários, etc., além de integrar os Conselhos Consultivos da Fundação Marquês de Pombal e do Instituto de Cultura Europeia e Atlântica, tem colaboração ensaística dispersa em periódicos e obras colectivas da especialidade em Portugal e no estrangeiro. As suas principais publicações: Eça de Queirós Cronista. Do “Distrito de Évora” (1867) às “Farpas” (1871-72), Lisboa, Cosmos, 1998; No Fundo dos Espelhos. Incursões na Cena Literária (vol. I), Porto, Edições Caixotim, 2003; Labirinto Sensível (em co-autoria com Casimiro de Brito), Lisboa, Roma Editora, 2003; Breves & Longas no País das Maravilhas, Lisboa, Roma Editora, 2004; O Mito do Marquês de Pombal (em co-autoria com José Eduardo Franco), Lisboa, Prefácio, 2004; Emergências Estéticas, Lisboa, Roma Editora, 2005 (a sair); No Fundo dos Espelhos. Em Visita, Porto, Edições Caixotim, 2005 (a sair). Tem a direcção de três colecções literárias: “Obras de Almeida Garrett” (Edições Caixotim), “Faces de Vénus” e “Faces de Penélope” (Roma Editora).