venda das raparigas . britiande . portugal . abertura: 2006

FRIEDRICH SCHILLER
A dignidade das mulheres

Tradução de Maria do Sameiro Barroso
 
Honrai as mulheres! Elas entrançam e tecem

Rosas sublimes na vida terrena,

Entrançam do amor o venturoso laço

E, através do véu casto das Graças (1),

Alimentam, vigilantes, o fogo eterno

De sentimentos mais belos, com mão sagrada.

 

Nos limites eternos da Verdade, o homem

Vagueia sem cessar, na sua rebeldia,

Impelido por pensamentos inquietos,

Precipita-se no oceano da sua fantasia.

Com avidez agarra o longe,

Seu coração jamais conhece a calma,

Incessante, em estrelas distantes,

Busca a imagem do seu sonho.

 

Mas, com olhares de encanto e fascínio,

As mulheres chamam a si o fugitivo,

Trazendo-o a mais avisados caminhos.

Na mais modesta cabana materna

Foram deixadas, com modos mais brandos,

As filhas fiéis da Natureza piedosa.

 

Adverso é o esforço do homem,

Com força desmesurada,

Sem paragem nem descanso,

Atravessa o rebelde a sua vida.

Logo destrói tudo o que alcança;

Jamais termina o seu desejo de luta.

Jamais, como cabeça da Hidra, (2)

Eternamente cai e se renova.

 

Mas, felizes, entre mais calmos rumores,

Irrompem as mulheres, num instante de flores,

Propiciando zelo e cuidadoso amor,

Mais livres, no seu concertado agir,

Mais propensas que o homem à sabedoria

E ao círculo infindável da poesia.

 

Severo, orgulhoso, autárcico,

O peito frio do homem não conhece

Efusivo coração que a outro se ajuste,

Nem o amor, deleite dos deuses,

Das almas desconhece a permuta,

Às lágrimas não se entrega nunca,

A própria luta pela vida tempera

Com mais rudeza ainda a sua força.

 

Mas, como que tocada ao de leve pelo Zéfiro,

Célere, a harpa eólica estremece,

Tal é a alma sensível da mulher.

Com angustiada ternura, perante o sofrimento,

O seu seio amoroso vibra, nos seus olhos

Brilham pérolas de orvalho sublime.

 

Nos reinos do poder masculino,

Vence, por direito, a força,

Pela espada se impõe o cita

E escravo se torna o persa,

Esgrimem-se entre si, em fúria,

Ambições selvagens, rudes,

E a voz rouca de Éris (3) domina,

Quando a Cárite (4) se põe em fuga.

 

Porém, com modos brandos e persuasivos,

As mulheres conduzem o ceptro dos costumes,

Acalmam a discórdia que, raivosa, se inflama,

Às forças hostis que se odeiam

Ensinam a maneira de ser harmoniosa,

E reúnem o que no eterno se derrama.

 

(1) Nome latino das Cárites.

(2) Hidra ou serpente de Lernos. Segundo a lenda, quando lhe cortava a cabeça, nascia-lhe uma cabeça dupla, até ter sido morta por Héracles.

(3) Deusa da discórdia.

(4) Divindades da beleza que tem origem nas forças da vegetação. Espalham a alegria na natureza e no coração do homem e dos deuses.

 
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