VII Colóquio Internacional
"Discursos e Práticas Alquímicas"
LAMEGO - SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL
22-24 de Junho de 2007

A desmaterialização do corpo na
concepção pós-moderna da hipernarrativa

José Augusto Mourão (UNL-DCC)

INDEX

Resumo
Introdução
Manifesto for Cyborgs
Ciberficção
A literatura electrónica
Desencarnação ou co-evolução?
Coda

A literatura electrónica

Frankenstein de Mary Shelley é uma excelente amostra dessa junção entre tecnologia e cultura que a ciberliteratura explora. Quando o narrador cria o monstro de Frankenstein, está já a manifestar a crise de referências abertas pela técnica no corpo: “O corpo monstro...construído como uma colcha de retalhos de pedaços de outros corpos, sem memória e sem nome, criava uma vida de identidade impossível. A sua existência, absurda e anónima, negava-lhe a possibilidade de auto-referência, nenhum signo (nome) o tornava idêntico a si mesmo” (1). Patchwork Girl, de Shelley Jackson, é considerado hoje um clássico da literatura electrónica feminista (Hayles, 2002: 37). Nesta obra, já não estamos diante da nostalgia do corpo total, mas da sua dissecação. O corpo torna-se aqui inteiramente imagem, colagem e comentário. O corpo não é um só. Vale a pena citar a própria Shelley Jackson: “O corpo é uma manta de retalhos, mesmo que os pontos não estejam à vista…O corpo original é dissociado, poroso e imparcial, um generoso receptor de tudo”(2). Nada de muito novo, relativamente ao que se sabe da filosofia ciborgue. Um dos temas importantes que os teóricos ciborgue exploram é que “A identidade do ciborgue tem como pressuposto a transgressão de fronteiras” (Mitchell 1995: 32). A distinção entre dentro/fora é assim desestabilizada (Fuss 1991), os corpos tornam-se voláteis (Groz 1994). O hipertexto, nesta perspectiva, coincide com o corpo banido. O seu princípio composicional é o desejo e a sua vera natureza não é ser fêmea mas feminino: amorfo, indirecto, impuro, difuso, múltiplo, evasivo. Como se o feminino fosse a má escrita e o masculino a boa escrita: directa, efectiva, limpa como um osso branqueado. Katherine Hayles falará de “conexões vacilantes”, uma forma de definir o vago, o esvaecido da obra de M. Shelley. Os efeitos dos circuitos cibernéticos sobre os padrões narrativos são explorados no cap. 2 de K. Hayles How we Became Posthuman (3). Hayles escreve a propósito da obra electrónica de Talan Memmot Lexia to Perplexia que esta obra revela o estatuto co-originário da subjectividade e das tecnologias electrónicas. O desafio que esta obra charneira provoca naquilo a que se chama a segunda geração do hipertexto electrónico ao leitor, é levá-lo a compreender-se a si próprio, não como um “eu” pré-existente com fronteiras seguras, mas como uma membrana permeável através da qual flui a informação, e não como um eu pré-existente com fronteiras seguras. A ênfase na “incorporação” é entendida como a “interacção” da fisicalidade duma obra com as suas práticas significantes.

É notório o trabalho de reconfiguração, senão de distorção voluntária, que a escrita ciberpunk de Shelley Jackson ou de Marge Piercy opera, quer em relação às convenções genéricas da ficção científica, quer em relação à própria intriga das suas obras. Patchwork Girl é, antes de mais, um romance hipertextual que combina um texto original (Frankenstein de Mary Shelley) com para contar a história de um Frankenstein fêmea. Em Body of Glass Avran socorre-se de uma programadora, Malkah, para criar um ciborgue chamado Yod. Yod seria mais um andróide, um robot, do que um ciborgue. Um ciborgue reúne o humano e a máquina, um robot ou um andróide é uma construção artificial. Em Body of Glass Yod e a neta de Malka tornam-se amantes. São evidentes os pontos de vista de Gibson e de Peircy acerca das partes do corpo se podem comprar no mercado. Escreve Kevin McCarron que as distopias de Gibson estão centradas em torno de culturas que preferem a incorporação à encarnação, enquanto os romances de de Piercy abertamente feministas preferem a encarnação à incorporação (Ibid.p. 270). Porque as mulheres são “a suprema instância da incorporação”? Porque o verdadeiro aspecto do macho do ciberpunk reside na sua completa falta de interesse pela reprodução biológica?

(1) Ieda Tucherman, Breve História do Corpo e de seus Monstros, Lisboa, Vega, 1999, p. 135.

(2) Shelley Jackson, art. cit., p. 2.

(3) How we Became Posthuman: Virtual Bodies in Cibernetics, Literature, and Informatics, Chicago, U. Of Chicago Press, 1999.

INICIATIVA:
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL)
Instituto São Tomás de Aquino (ISTA)
www.triplov.org

Patrocinadores:
Câmara Municipal de Lamego
IDP - Complexo Desportivo de Lamego
Junta de Freguesia de Britiande
Paróquia de Britiande
Dominicanos de Lisboa

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