VII Colóquio Internacional
"Discursos e Práticas Alquímicas"
LAMEGO - SALÃO NOBRE DA CÂMARA MUNICIPAL
22-24 de Junho de 2007
Transformação: Caminhos da ”Personagem Feminina”
por Eugénia Vasques
 

INDEX

Ponto 0
Ponto 1
Ponto 2
Ponto 3
Ponto 4
Ponto 5
Bibliografia

Ponto 1

É no capítulo VI da chamada “Poética” de Aristóteles que se estabelece a relação, que será fundadora no teatro do ocidente, entre Acção e Personagem. A polémica originada, nos estudos helenísticos dos anos 50, pela constatação de que a Personagem era secundarizada por Aristóteles relativamente à Acção (1) ganhou enorme visibilidade no decurso dos anos 60 (cf. Fuchs pp. 23-24) e, no inícios dos anos 90, Elizabeth Belfiore retoma este ponto de vista crítico ao afirmar que, tal como John Jones tinha defendido, não existia qualquer realidade para além das máscaras (cf. Fuchs p. 24).

Porém, a “personagem” foi entendida durante séculos como a instância estrutural do teatro dramático ocidental. A esta instância de representação, literalmente, o “rosto” do teatro, encontra-se ligada, desde a filosofia aristotélica, a convicção de que para que ela exista tem de acontecer o enfrentamento físico entre actor e público. Estas presenças – a da personagem, a do actor e a do público – constituem um continuum de envolvimentos a que se deve juntar ainda a presença-ausente do dramaturgo e do encenador e também a de uma comunidade mais larga do que o público que é a polis, instância, por sua vez, destinatária e destinadora da seiva teatral.

A “personagem” teve o seu apogeu na filosofia de Hegel. De Hegel a Nietzsche, porém, o processo de des-individuação entra em acelerada marcha. Nas décadas finais do século XIX, a questão da perda de importância da Personagem como representação da imagem humana ganha um acolhimento relevante no pensamento estético do Simbolismo europeu. Yeats, por exemplo, falava em 1893 de um paradigma literário intermédio que já estaria ultrapassado, Tchekov deixava Treplev, na sua peça A Gaivota (1896), afirmar que as personagens não tinham que mostrar a vida tal como ela é mas como ela parece ser nos sonhos! O poeta Mallarmé, aliás, logo em 1886, avançara o programa simbolista de um teatro cujo ideal era a obediência à relação simbólica entre as personagens (cf. Fuchs p. 31) através de uma estética de personagens-marionetas – definindo o Hamlet shakespeariano como “uma abstracção que anda” (cf. Vasques, p. 80) – e Edward Gordon Craig, um actor inglês que se volverá, com o suíço Adolphe Appia, num dos mais importantes refundadores do teatro, baseia a sua estética da sugestão na metáfora plástica do actor como Übermarionette (cf. Vasques, pp. 87-98).

A entidade ou categoria Personagem entrava em franca perda e entrava numa profunda transformação em direcção a uma plasticização abstracta como o comprovam as particulares dramaturgias e utopias cénicas de Maeterlinck, Alfred Jarry ou Appolinaire. Emergem então, no decurso da primeira metade do século XX, pelo menos três estratégias de revisitação da Personagem em perda: a alegorização, a metateatralização e a dialéctica crítica do teatro dito “brechtiano”, estratégias dramatúrgicas e do espectáculo cénico que, deliberadamente, reduzem a ilusão da autonomia da Personagem.

É a Fábula a entidade que assume, agora, o papel determinante na definição do teatro. Continuamos na Era do Encenador.

 
(1) Foi S. H. Butcher , em Aristotle’s Theory of Poetry and Fine Art (Dover Publications, Inc. 1951, fourth edition), um dos primeiros tradutores a assinalar a secundarização da Personagem relativamente à Acção.

INICIATIVA:
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL)
Instituto São Tomás de Aquino (ISTA)
www.triplov.org

Patrocinadores:
Câmara Municipal de Lamego
Junta de Freguesia de Britiande
Dominicanos de Lisboa

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