MARIA DO PILAR OSÓRIO
A secular do convento de Barrô
Fotos: TriploV/2007

A Quinta de S. Bento
(Capítulo XLVI - Continuam seu caminho)

As duas egressas, monja e secular e seu pequeno séquito, deixando após o convento das Chagas, seguiram pela avenida que, como estreita cinta, cinge a velha Lamego ao campo das freiras, entraram na curta rua chamada do Carvalho, dobraram a esquina, caminharam ao longo da praça de cima, e foram jornadeando pelas ruas, praças e largos que compõem a limitada mas distincta cidade, que, como nenhuma outra de província, se adorna e enriquece com tantos e tão magníficos edifícios públicos e particulares, primando entre os últimos, uns, pela regularidade e vastidão das proporções, outros pelo isolado e desassombrado da situação; um pela riqueza da cantaria; grandioso e magnifico das formas; outro pelo primoroso do cinzelado, brincado e elegante dos adornos, e todos pela grandeza e nobreza que representam.

Chegando à capellinha da Senhora do Desterro, a cavalgada desceu a calçada que vae para a ponte que atravessa o caudaloso e frio Balsemão, transpoz esta e subiu para o lado opposto, seguindo a estrada que vae para o alto da província. Não muito distante da ponte saudou o nicho do Senhor da Boa Passagem, e avistou além na mesma direcção, a antiga casa de Calvilhe, solar de um dos principaes ramos da nobilíssima familia dos Pintos, de que é primitivo solar o castello de Cham no concelho de Ferreiros de Tendaes; e um pouco mais adiante a freguezia de Cepões, em cuja elevada colina se ostenta o palacete dos Pintos Coelhos, nobre e antiga familia que ha séculos alli tem residência.

Dominando formosos valles e cultivadas encostas, a estrada graciosamente encurvada desenvolveu-se-lhe na frente, como longa fita branca orlada de verde. Próximo da villa de Bretiande bifurca-se esta, seguindo a principal em frente e desviando-se a inferior para a esquerda. Por esta tomou a pequena caravana.

O vale de Alvelos, ao fundo

Rasga-se aquella via de communicação por entre campos, vinhas, soitos e pinhaes, oferecendo sempre variadas e agradáveis perspectivas, sendo uma das mais bellas o valle de Alvellos, que se estende na encosta fronteira a esquerda da estrada.

Aquelle fértil terreno compõe-se na maior parte de quintas pertencentes ás famílias mais gradas de Lamego, tendo por centro as formosas casas que n'ellas avultam.

Igreja de Várzea de Abrunhais
As duas senhoras e seus familiares passaram a alguns metros de distancia da egreja de Várzea, a qual se levanta branca e solitária sobre granítico rochedo, e d'alli domina a freguezia do mesmo nome, que se lhe estende ao sopé. Segundo as velhas chronicas, as povoações que compõem aquella freguezia foram fundadas por Zabadam el Huin, regulo sarraceno de Lamego.
Capela de S. Sebastião de Várzea de Abrunhais
Na fachada, a imagem do santo em azulejo
Junto da estrada, a devota capella de S. Sebastião ostentou-se-lhe simples e modesta como a virgem dos campos nos primeiros annos de adolescência. Um pouco mais adiante a pequena cavalgada rodeou uma parte da magnifica quinta dos nobres viscondes de Várzea e passou em frente do seu bello palacete, ao lado do qual entre copados cedros, alveja como cândida açucena a capella que completa a ostentosa residência dos preclarissimos descendentes de Geraldo sem Pavor, família illustre pelas tradições, pelas allianças e pelos serviços prestados á pátria.
Desceu depois íngreme e escabroso caminho, torneando a formosa quinta de Ferreirim, de cujos nobilíssimos proprietários, sahiram homens que foram investidos em altas dignidades e occuparam eminentes logares na magistratura, na diplomacia, na milicia e nas antigas ordens militares, d'entre estes avultam um embaixador em paiz estrangeiro, um bailio na ordem de Malta, um desembargador do paço e um general em tempos não remotos.
 
Entrada da Quinta de S. Bento
No fundo da descida a pequena cavalgada atravessou o arroio, que Iimpido e tortuoso se deslisa por entre os verdes campos que baceam a encosta aonde se reclina a quinta de S. Bento.

Remonta a mui antigas eras a origem d'esta quinta, talvez a dos celtas, dos quaes bem como dos sarracenos, se encontram alli pronunciados vestígios. Passou depois a velha quinta por differentes phases, algumas das quaes estão envolvidas em espesso veu. O que se vê em documentos e consta de tradições, é que em 1400 era residência de familia nobre, d'ella passou não se sabe como a hospício das freiras do convento de S. Bento da Ave-Maria da cidade do Porto, para as quaes era o que nas ordens monachaes chamavam brevia ou pequena quinta de temporária residência.

As freiras do mosteiro de S. Bento da Ave-Maria, não só faziam n'aquelle hospício essa temporária residência, mas alli permaneciam quando enfermas ou quando de provecta edade.

Talvez desse occasiâo, a essa possessão, os muitos foros que as religiosas recebiam n'aquellas cercanias, dos quaes ainda recebem alguns.
Pelos annos de 1600 foi outra vez a quinta de S. Bento propriedade particular e ficou pertencendo aos descendentes da primitiva familia que n'ella encontramos.

Ignora-se como se operou essa transformação, mas é certo que se operou, e que d'essa familia muitas gerações se derivaram, que alli nasceram e morreram, até que essa descendência veio a recahir na nobilissima família Vaz Pinto de Menezes da Villa de Bretiande, da qual Manoel Maria Ferreira Sarmento Osorio foi o ultimo descendente, e deixou a sua esposa, que é a auctora do presente livro e hoje a possue.

A quinta de S. Bento, produz tudo o que é essencial á vida, e o seu vinho e azeite egualam, se não excedem, os melhores das localidades. Gosa ares muito saudáveis e muita e saborosa agua. A sua fructa é deliciosa e variada. Nas suas matas ha caça e toda ella offerece a seus habitantes muitos mimos, confortos e regalias.

A estes attributos reúne a quinta de S. Bento lindíssimos pontos de vista, por se lhe desenvolver na frente formoso panorama, aonde se estendem férteis campos e avultam magnificas quintas, boas povoações, templos e antigas edificações. A imaginações poéticas offerece também sitios alpestres e vistas românticas.

Tal é a propriedade de que fui obrigada a fallar por não deixar no esquecimento uma relíquia de tempos que já lá vão, e que me merece grande veneração, bem como tudo o que diz respeito á família do meu chorado esposo.

 

Acompanhemos agora de novo a pequena caravana, que vae caminho da ermida da Senhora da Guia da Corga ou dos cyprestes. Sigamos pela estrada que fica ao sopé da quinta de S. Bento, até á esquina que faz a mesma com a calçada da de Ferreirim e antes de dobrarmos esta lancemos os olhos para a encosta fronteira. Veremos á direita o convento de S. Antonio de Ferreirim, e um pouco para a esquerda Villa Meã, povoação aonde avulta a antiga casa do Paço solar dos Rebellos e a dos Araujos, cuja descendência acabou em Affonso de Sousa Araujo, da cidade de Lamego. Um pouco para o alto está a povoação de Mós com as suas casas aristocráticas e a sua antiga egreja, apresentação da casa de Marialva, á qual eram foreiros quasi todos aquelles terrenos.

 

A caravana subiu depois declivosa calçada, deixando á direita a estrada que vae para a Ucanha, terra antiga e notável pela ponte que liga as duas margens do Varosa e castello contíguo, sendo aquella e este, obra dos abbades do mosteiro de Salzedas, magnifica fundação de D. Tareja, terceira mulher de Egas Moniz Coelho. Esse castello, apesar do vandalismo das recentes épocas, ainda se conserva em pé na sua maior parte. A egreja do destruído convento de Salzedas é um templo sumptuoso, que encerra muitas grandezas e bellezas, e que ainda hoje causa admiração aos curiosos que a visitam, ou sejam portuguezes ou estrangeiros, os quaes se extasiam na presença das magnificas pinturas que se encontram n'essa egreja, e que são obra dos melhores mestres nacionaes e estrangeiros.

Logo adiante encontraram as duas senhoras o hospicio da Senhora da Guia da Corga, que as recebeu no seu humilde seio.














D. MARIA DO PILAR BANDEIRA MONTEIRO OSÓRIO
A secular do convento de Barrô

Porto, Tipografia Ocidental, 1882

MARIA DO PILAR BANDEIRA MONTEIRO (1814 - 1887)
Ilustre fidalga e escritora nascida em 1814 na Casa da Granja, freguesia de Cárquere, concelho de Resende, e falecida em Britiande em 1887. Da sua actividade literária salientemos os romances A Secular do Convento de Barrô, Uma Família que viveu no Século Passado, Lágrimas e Saudades, A Filha do Povo e As Duas Mulheres. D. Maria do Pilar foi uma figura ilustre que, embora nascida na freguesia de Cárquere, fez toda a sua vida em Britiande e ali foi sepultada.

Fontes:

A. de Almeida Fernandes (1997) – A História de Britiande. Edição da Câmara Municipal de Lamego e da Junta de Freguesia de Britiande. Barbosa & Xavier, Editores, Braga, 366 pp. Il..

Armando Rica & Fernando Cabral (2006) - Ilustres de Lamego. Edição da Câmara Municipal de Lamego, Lamego, 2006, 202 pp. il..