MARIA DO PILAR OSÓRIO
A secular do Convento de Barrô
A fundação (do convento de Barrô)
O Convento de Barrô (fotos)
Capítulo IV - A Fundação

A successora de Lopo Monteiro encontrou grandes difficuldades na execução dos seus projectos, não só da parte dos seus parentes, mas também das auctoridades, as quaes não queriam conceder-lhe as devidas licenças e auctorisações, mas os seus esforços foram tão vigorosos, a sua vontade tão forte, e as suas diligencias tão activas, que essas tenazes opposições foram vencidas. Dispostas, pois, as cousas convenientemente, a nobre morgada instituiu na residência de seus maiores um mosteiro da ordem de Santa Clara e n'elle se recolheu e professou com o nome de Marianna da Madre de Deus.

A fundadora dedicou a capella ou egreja do novo mosteiro á Natividade de Nossa Senhora.

N'esta piedosa obra, foi Marianna da Madre de Deus coadjuvada por sua mãe, que doou ao mosteiro uma parte dos seus haveres e tambem por outras senhoras, sendo uma d'ellas Luiza do Ceu, cujos donativos lhe foram muito valiosos, não só pela sua importância como por augmentarem a cerca, que ficou sendo muito mais ampla e rendosa.

Todas estas senhoras se recolheram á clausura e professaram. Como fica dito, Marianna da Madre de Deus adoptou para o seu convento a ordem de Santa Clara na qual fez algumas alterações, taes como: não faliarem as religiosas senão a parentes dentro do terceiro grau, não terem criadas próprias e usarem de hábitos de saial, véus de barbilho e toucas de linho sem nenhum ornato; e em empregarem o tempo na oração e serviço de Deus.

A nova communidade foi iniciada nos preceitos e praxes da ordem pela religiosa soror Izabel Baptista, freira no convento das Chagas, a qual a fundadora mandou vir expressamente para esse fim.

Entre os torpeços que difficultaram os projectos da venerável Marianna da Madre de Deus, foi um dos maiores o impedimento que os seus parentes oppozeram ao seu grande desejo de pronunciar solemnemente os votos que a consagravam a Deus; e só o pôde conseguir, passados sete annos de clausura. Não lhe foi menos difficil obter a presença da sagrada Eucharistia na egreja do convento; mas a sua elevada inlelligencia e angélica vontade, tudo conseguiram.

A morte, cuja fouce devastadora prostra com igual indifferença o opulento e o mendigo, o rei e o paria, o virtuoso e o delinquente, não poupou a preciosa existência da venerável Marianna da Madre de Deus, a qual feriu em idade não provecta. A inclita virgem curvou a fronte e recolheu-se ao túmulo, deixando apoz de si rastros de luz, que reverberarão atravez dos séculos, e perfumes de santidade, que serão consolação e exemplo para as almas crentes.

Teve lugar o fallecimento da fundadora do convento de Barrô no anno de 1693. Seu corpo foi exposto á veneração publica por muitos dias, e o bispo de Lamego, D. António de Vasconcellos, acompanhado do Cabido da Sé, foram celebrar-lhe exéquias na egreja do mosteiro de Barrô.

0 mosteiro de Marianna da Madre de Deus tinha lugar para trinta freiras, numero que raras vezes se preencheu. Recebia também seculares de todas as classes da sociedade.

Não gosou longa vida o convento de Barrô; mas, emquanto existiu, foi ramilhete de flores, tão observantes eram de todas as prescripções da ordem ainda as mais severas.

Resta fallar da segunda filha de Lopo Monteiro e Maria Cardoso. Esta senhora achou marido digno d'ella; e ambos continuaram a nobre estirpe que tantas virtudes tinha produzido e devia continuar a produzir, e foi esta senhora quinta avó do snr. Melchior Pereira Coutinho, da cidade de Lamego, e parente da auctora do presente livro.

Já fica dito que o mosteiro de Barrô recebia seculares. D'estas houve uma de que já fallei e continuarei a fallar. É aquella senhora que inesperadamente vimos chegar ao mosteiro, vimos apear d'uma liteira e perguntar por D. Beatriz de Lencastre.

Vivia, esta senhora muito retirada; a sua deteriorada saúde pouco lhe permitia sahir da cella. Dizia-se que eram grandes os seus soffrimentos moraes; viam-se-lhe frequentes signaes de lagrimas, e, quando orava, fundos gemidos lhe sahiam do peito; porém, não obstante as suas maguas, tinha sempre a affabilidade no rosto e a amenidade na conversação.

As religiosas visitavam-na amiudadas vezes, especialmente D. Beatriz, a qual passava longas horas com ella, assistindo-lhe nas enfermidades, confortando-a nos desatentos, consolando-a nas angustias, prestando-lhe emfim todos os soccorros que inspiram a caridade christã e a amisade, como peitos femininos a sabem sentir.

Grata áquelle extremoso affecto, a secular desejava retribuir finezas com finezas, porém uma a que Beatriz ligava grande apreço, affigurava-se tão dolorosa, que differia de dia para dia realisal-a. Revelar o seu passado a D. Beatriz era árduo, tão profunda e sangrenta era a chaga que a desgraça lhe abriu no peito.

Alguns annos se passaram n'essas hesitações d'um lado, e n'essa desculpável curiosidade do outro, até que o tempo, a que nada resiste, o tempo que corroe o mais duro granito, que transforma a face da terra, que substitue uma geração por outra geração, que cicatrisa as mais profundas chagas moraes, o tempo, que nos modifica os sentimentos e as opiniões, que nos esfria as paixões e reconstrue o prisma por que vêem os olhos do nosso espirito, o tempo, esse grande artista, esse grande politico e esse grande reformador, o tempo, que tudo ensina e tudo cura, operou mais esse milagre, mais essa transformação.

A filha de Pedro de Mascarenhas, aquella por quem o desditoso Luiz d'Athaide se votou ao exilio e morreu de morte violenta, a triste D. Magdalena de Mascarenhas, sem que lhe deixassem de pungir o coração os espinhos da dôr, sem que se dissipasse a nuvem negra que lhe entenebrecia o espirito, recobrou forças para poder recordar o seu aventuroso passado e d'elle fazer narração em pallido pergaminho.

MARIA DO PILAR BANDEIRA MONTEIRO (1814 - 1887)
Ilustre fidalga e escritora nascida em 1814 na Casa da Granja, freguesia de Cárquere, concelho de Resende, e falecida em Britiande em 1887. Da sua actividade literária salientemos os romances A Secular do Convento de Barrô, Uma Família que viveu no Século Passado, Lágrimas e Saudades, A Filha do Povo e As Duas Mulheres. D. Maria do Pilar foi uma figura ilustre que, embora nascida na freguesia de Cárquere, fez toda a sua vida em Britiande e ali foi sepultada.

Fontes:

A. de Almeida Fernandes (1997) – A História de Britiande. Edição da Câmara Municipal de Lamego e da Junta de Freguesia de Britiande. Barbosa & Xavier, Editores, Braga, 366 pp. Il..

Armando Rica & Fernando Cabral (2006) - Ilustres de Lamego. Edição da Câmara Municipal de Lamego, Lamego, 2006, 202 pp. il..